São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pnad 2004 e o programa Bolsa-Família

RÔMULO PAES e ROSANI CUNHA

A Pnad 2004 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), pela primeira vez, investigou as características da população brasileira quanto ao recebimento de programas de transferência de renda, visitando 140 mil domicílios. Dentre os benefícios estudados, está o Bolsa-Família, o maior e mais conhecido programa de transferência de renda do país.


9 milhões de famílias já recebem o Bolsa-Família, ou seja, cerca de 80% das que são estimadas como pobres no país


Os resultados ajudam a entender as características dos beneficiários dos programas de transferência de renda, permitindo compará-los com os que não recebem. Pela escala da pesquisa, qualidade e isenção do IBGE na condução da investigação, os achados da Pnad 2004 iluminarão por muito tempo o debate sobre as políticas de combate à pobreza no Brasil.
Em relação ao Bolsa-Família e programas que estão em fase de integração, três indicações fundamentais podem ser analisadas a partir dos resultados da pesquisa. É possível afirmar que a Pnad mostra três acertos do governo federal: foco, desenho e aperfeiçoamento do programa.
A primeira indicação é que os programas de transferência de renda estão bem focalizados. Chegam a quem precisam chegar. 91% das famílias beneficiárias recebiam até um salário mínimo per capita, e 75% delas, menos que meio salário mínimo per capita. Os dados sobre escolaridade e infra-estrutura dos domicílios de beneficiários e não-beneficiários reforçam essa indicação. Em números, 42,4% dos beneficiários e 73,9% dos não-beneficiários viviam em domicílios com esgotamento sanitário adequado. A taxa de analfabetismo foi maior nos domicílios com recebimento de benefícios, 18,2%, ante os 8,6% dos sem-recebimento.
Há ainda características demográficas que sustentam o acerto no foco do programa. Dentre os beneficiários de transferência de renda, as famílias são constituídas por pessoas mais jovens, com mais pessoas dividindo o mesmo domicílio e uma prevalência muito maior de pessoas de cor preta ou parda.
A pesquisa indica também que os trabalhadores de famílias beneficiárias ingressam mais cedo no mercado de trabalho e de lá saem mais tardiamente que os não-beneficiários. Esse ciclo prejudica o trabalhador pobre, porque ele começa a trabalhar menos qualificado, com remuneração mais baixa e emprego informal. O que os dados parecem sugerir é que os pobres se aposentam quando suas limitações de saúde imperam sobre a necessidade de trabalhar.
A segunda indicação da pesquisa diz respeito ao acerto do desenho do Bolsa-Família. A baixa escolarização dos integrantes das famílias beneficiárias mostra a importância da exigência de 85% da freqüência escolar. Essa contrapartida é um dos caminhos para que esses brasileiros tenham uma vida diferente no futuro e é coerente com o objetivo do Bolsa-Família, de apoiar a redução da pobreza entre gerações.
A Pnad 2004 também identifica uma questão essencial: os programas de transferência de renda não retiram os beneficiários do trabalho. Ao contrário, o nível de ocupação dos chefes de domicílios beneficiários é de 79,1%, e 73,7% para os não-beneficiários. Esse achado é coerente com o desenho e os objetivos do Bolsa-Família, que não pretende substituir a renda do trabalho. O programa busca complementar a renda das famílias de trabalhadores pobres para que elas possam reservar uma parte do orçamento para a educação e a saúde das crianças, cuidados médicos de gestantes e nutrizes e melhorar a alimentação de toda a família.
A terceira indicação da pesquisa diz respeito ao acerto das estratégias em curso para o aperfeiçoamento do Bolsa-Família. Por causa de auditorias constantes realizadas pelo governo federal e de parcerias com órgãos de controle, gestores e a sociedade, o Bolsa-Família está se aperfeiçoando.
Quando a pesquisa foi feita, as crianças beneficiárias tinham uma freqüência escolar menor que a das não-beneficiárias, mas, no final de 2005, 91% das escolas brasileiras já informavam a presença dos beneficiários do Bolsa-Família. São mais de 10 milhões de crianças e jovens acompanhados e, destes, 98% tiveram freqüência superior a 85%. O programa também buscou a integração com outras políticas públicas que a Pnad mostra como acertadas, com destaque para a integração com as estratégias de alfabetização e educação de jovens e adultos, em curso de forma mais articulada desde 2005.
Se, em setembro de 2004, 90% das famílias que declaravam receber alguma transferência de renda do governo tinham o Bolsa-Família ou seus programas remanescentes, atualmente, 9 milhões de famílias já recebem o Bolsa-Família. São cerca de 80% das famílias estimadas como pobres no país.
Como no poema de João Cabral de Melo Neto, o mar de informações da Pnad ensina ao programa Bolsa-Família a avançar e se espraiar, que, na linguagem dura e técnica, é o mesmo que dizer: aprofundar seus mecanismos de focalização, aumentar sua cobertura, acompanhar as contrapartidas das famílias e integrá-lo às demais políticas de assistência social e inclusão produtiva.

Rômulo Paes, 46, médico, Ph.D em epidemiologia pela Universidade de Londres (Inglaterra), é secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Rosani Cunha, 44, sanitarista, especialista em política pública e gestão governamental, é secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.



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