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ANTONIO DELFIM NETTO
Adeus à tranquilidade
HÁ PELO MENOS quatro décadas vigorou o processo de
estabelecer contratos individuais por um ano para o preço
FOB do minério de ferro entre as
grandes mineradoras e as siderúrgicas europeias e japonesas. A ele
aderiram outros países, inclusive a
China. O sistema serviu durante
todo esse tempo aos interesses dos
produtores (evitando a competição
predatória) e dos consumidores,
dando-lhes a "garantia" da oferta
física com preços previsíveis.
Um dos efeitos perniciosos da
crise criada pelo sistema financeiro foi a desintegração desse processo. Tudo na economia baseia-se na
"confiança": no cumprimento dos
compromissos assumidos pelas
partes contratantes.
Quando o preço à vista do minério veio abaixo do "benchmark" estabelecido, as siderúrgicas (a começar pelas chinesas) passaram a
comprar o minério no mercado.
Esqueceram, convenientemente,
os compromissos assumidos, o que
levou à morte o velho sistema. Este
será substituído por contratos trimestrais, o que manterá a garantia
de fornecimento, mas aumentará a
volatilidade dos preços de uma das
mais importantes matérias-primas
de uso universal. Pelo que se informa de maneira não muito transparente, a Vale fechou um contrato
trimestral com a Nippon Steel com
um reajuste de preços da ordem de
90%. Em 2009 (graças aos descumprimentos dos contratos), a
mineradora reduziu seu preço em
quase 30%.
É claro que mudanças dessa ordem terão efeitos microeconômicos internos (na taxa de inflação) e
macroeconômicos (na relação de
troca). Informa-se que a Vale encomendou estudo à FGV cuja conclusão foi que o efeito da atual elevação do preço do minério de ferro
seria infinitesimal. Isso é contraintuitivo diante da influência do preço do aço no IPCA, no IPA e no
Custo de Construção que formam
o IGP-M, que comanda os preços
indexados. Imaginem o estrago
que isso poderá causar se o Banco
Central tentar combater esse efeito de "preço relativo" com aumento da taxa de juros.
É claro que o "benchmark" era
um sistema artificial. Ele garantia,
entretanto, uma certa ordem num
mercado muito complicado. A estrutura da oferta é praticamente
um monopólio (três empresas detêm 2/3 da oferta obtida em dois
países, que detêm 3/4 dela). A demanda é um monopsônio: quatro
consumidores -China, Europa,
Japão e Coreia- representam 4/5
da demanda global. Nesse jogo, não
há nenhuma certeza de que se produza um equilíbrio estável.
O que é certo, entretanto, é que
produtores e consumidores serão,
agora, instrumentos dos "hedge-funds" predadores e de seus
derivativos.
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
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