São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


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O frade espanhol

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - ""Está bem, está bem, você tem razão. Sou eu quem não presto. Nunca disse que prestava. Nem para você, nem para ninguém. De mim, sempre se podem esperar as piores coisas..."
Aí a moça o interrompeu. Ela estava calada, parecia concordar com ele, havia muito que não concordavam em nada, sim, ele não prestava, mas quando falou que dele se podiam esperar as piores coisas, ela não aguentou:
"Lá vem você com esse velho disco... o frade espanhol do qual se podem esperar as piores coisas... Você nem é espanhol nem é frade!"
Ficou desarmado. Era um negócio antigo, citar um frade espanhol desconhecido, mais metáfora que personagem. Nos romances de capa-e-espada, quando um deles aparece, dele realmente se devem esperar as piores coisas.
Poderia mudar o disco: nos filmes de faroeste, sempre se esperam as piores coisas do cara que toma conta da diligência que traz as cartas. Nos filmes policiais -é óbvio-, o mordomo sempre é culpado de alguma coisa. Nem o bandido nem o mordomo têm charme. O frade tem.
A moça falara e ela prometera que, acontecesse o que acontecesse, jamais lhe dirigiria a palavra. No início, ela não percebeu que quebrara a promessa. Quando descobriu que afinal falara alguma coisa, sentiu que a derrota estava próxima.
Evidente que não falaria mais. Nem ele. Tinham tantos códigos em comum que nem precisavam de mais nada. Ele segurou a mão dela, estava fria. Sempre ficava com a mão fria quando estava com vontade. E, agora, tinha vontade e tinha urgência.
Ele não prestava mesmo. Aquela história do frade espanhol era velha, usara-a diversas vezes em diversas outras situações, ela nem era nascida e ele já explorava o frade espanhol. Sempre funcionava.
E o frade espanhol mais uma vez lhe deu a melhor coisa.


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