São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Lula e a fatura do futuro
CANDIDO MENDES
Lula continua o seu fiador, num crédito que assina sozinho, frente aos sem-terra ou aos sem-teto, tal como pode, na sua própria grei, e frente às CUTs, separar o joio do trigo e distinguir a reivindicação corporativa enrustida da mobilidade emergente e seus reclamos. Quebrou o impasse da reforma previdenciária, enquanto enfrentou os privilégios tradicionais de juízes, militares e castas burocráticas. Mais ainda, ao conceder menos de 2% ao aumento ao funcionalismo, não hesitou em mostrar que o salariado do Estado, no país de sempre, ainda confrontava a enorme massa dos trabalhadores brasileiros. Há um tapa-boca no discurso do presidente, para que, de fato, fale a verdadeira miséria. Sem medo da discussão, Lula não só se antecipou na lide nacional, mas forjou uma nova e inédita política dos governadores, convocando-os para as reformas básicas, num sistema único de pressão sobre o Congresso, muito mais sensível, às vezes, ao comando regional que aos protocolos do Planalto. Claro, reforma na Previdência ou na tributária, muitas vezes contornou-se o nó górdio. Mas, destrancado o debate, muda a perspectiva do avanço e se miniaturiza o que agora parece intransponível. Sobretudo, e contra os críticos do desossamento da proposta petista, aí está imediatamente a marca da decisão no plano dos modelos, imposta à retomada do papel do Estado, e da rigorosa inflexão imposta às privatizações e sua bacia das almas neoliberal. Não só se susta a continuação dessa política no campo da geração de energia, mas, pela decisão clara de Dilma Roussef e de José Dirceu, as empresas privadas sucessoras são exigidas ao pago das suas dívidas e ao efetivo poder de controle regulamentar. Nem se excluem, na sua sequência, o desmonte das privatizações e o retorno do Estado à direta interferência no jogo econômico. País continental voltado para si mesmo, não nos damos conta dos trunfos externos já logrados no novo governo, onde pode ir além da credibilidade ganha, de dentro do clube dos bem-nascidos do Primeiro Mundo. Já na madrugada da posse, conseguiu manter o governo da Venezuela, em ação decisiva de suprimento de petróleo, desbaratando a escalada golpista. Mas é quanto ao segundo grande conviva do 1º de janeiro que, hoje, Lula pode exercer tarefa decisiva de conciliação, entre a velhice de Castro e a plataforma de defesa dos direitos humanos, que precisa mais do que do petitório internacional para se fazer ouvir num país cada vez mais cercado pela maré republicana nos EUA. No mundo que não volta mais ao Conselho de Segurança da ONU, não é pela busca de um lugar permanente naquele cenáculo violentado que se marca a ratificação dos triunfos inéditos em que o Brasil de agora pode apontar para a alternativa. Nosso poder vai ao plenário das Nações Unidas, na autoridade crescente em que temperamos as receitas e profecias dos donos do mundo. Nossa fatura não é a do populismo, dos golpes consentidos, nem da democracia como subproduto da atual receita de Bagdá. Estamos dando conta do óbvio para ter direito à diferença. Candido Mendes, 74, é presidente do "senior board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco e membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cesar Maia: De Lula Rúa Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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