São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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SESSÕES DE MELANCOLIA

Difícil saber o que foi pior: se o estado de torpor auto-induzido que marcou, há tempos, o depoimento de Delúbio Soares à CPI do Mensalão ou se o mais recente espetáculo de demência seletiva que o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira tentou apresentar na última sessão da CPI dos Bingos. Do silêncio de Delúbio, mergulhado numa névoa de indiferença narcótica, passou-se com Silvinho a uma loquacidade respeitosa na superfície, mas nem por isso menos ofensiva no seu recurso emergencial a um "script" de inimputabilidade que não convenceu.
Convocado à CPI em virtude de uma entrevista concedida ao jornal "O Globo", Silvio Pereira passou horas escusando-se de prestar qualquer esclarecimento, argumentando que não havia lido o texto publicado. Não sabia o que dissera saber, não disse nem desdisse o que não sabia se tinha dito ou não, e foi preciso que a íntegra da reportagem fosse lida em sua presença para que ele continuasse a não falar coisa com coisa.
O comportamento dessas duas figuras-chave no escândalo do mensalão pode servir como metáfora de toda a atitude do governo Lula ao longo da crise. Nas sessões da CPI ou fora delas, não há membro do Executivo, a começar pelo próprio presidente da República, cujas reações se diferenciem, na essência, das de Silvio Pereira ou Delúbio Soares: o negaceio travestido de inocência, a desmemória produzida de encomenda, a versão emergencial fabricada em série, o discurso respeitoso de apoio às investigações convivendo com o seu sistemático boicote.
O fracasso em que redundou a última sessão da CPI dos Bingos simboliza, todavia, mais do que isso. Apresentam-se novos requerimentos para que mais personagens venham a depor; no âmbito do Congresso, projetam-se novas CPIs para que mais escândalos venham a ser investigados; se, um após o outro, deputados são absolvidos em plenário, contam-se às dezenas os passíveis de novas investigações, os expostos a novos escândalos e naturalmente os candidatos a novas absolvições.
Vão ficando evidentes, nesse processo, os limites das CPIs enquanto instrumento de investigação e, mais ainda, os limites do Congresso para coibir os abusos em que se envolve.
Com toda a frustração que provocam, entretanto, melhor muitas CPIs do que nenhuma. Seria de toda conveniência, a este governo ou a qualquer outro, que se concluísse pela inutilidade das comissões de inquérito devido aos grandes e pequenos malogros em que resultam.
Não sem uma ponta de orgulho, a bancada situacionista argumenta que a Polícia Federal e o Ministério Público estão mais aparelhados que o Congresso para desenredar os refinadíssimos esquemas de corrupção em curso. Se isso é verdade, tampouco se pode negar que, graças à visibilidade das CPIs, a opinião pública dispõe de um meio de avaliação e aprofundamento de tudo o que há de nebuloso nos atos de um governo.
Desloca-se para as CPIs, na verdade, o centro das atividades do Parlamento -no que tem de fiscalizador dos atos do Executivo, e também no que possui de instável, de tumultuoso, de inconclusivo em seus debates. Não se trata de tribunal, nem de delegacia de polícia -embora às vezes se considere assim e, outras, a sociedade espere que assim seja de fato.
Sessões melancólicas se sucedem; do ponto de vista jurídico e policial, pouco se avança. Do ponto de vista político, entretanto, os silêncios de um Delúbio, as amnésias de um Silvinho, vexames, lágrimas, ridículos e desconversas de outros tantos, não deixam de constar, a seu modo, como um espetáculo esclarecedor.


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