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SESSÕES DE MELANCOLIA
Difícil saber o que foi pior: se
o estado de torpor auto-induzido que marcou, há tempos, o depoimento de Delúbio Soares à CPI do
Mensalão ou se o mais recente espetáculo de demência seletiva que o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira
tentou apresentar na última sessão
da CPI dos Bingos. Do silêncio de
Delúbio, mergulhado numa névoa
de indiferença narcótica, passou-se
com Silvinho a uma loquacidade respeitosa na superfície, mas nem por
isso menos ofensiva no seu recurso
emergencial a um "script" de inimputabilidade que não convenceu.
Convocado à CPI em virtude de
uma entrevista concedida ao jornal
"O Globo", Silvio Pereira passou horas escusando-se de prestar qualquer
esclarecimento, argumentando que
não havia lido o texto publicado. Não
sabia o que dissera saber, não disse
nem desdisse o que não sabia se tinha dito ou não, e foi preciso que a
íntegra da reportagem fosse lida em
sua presença para que ele continuasse a não falar coisa com coisa.
O comportamento dessas duas figuras-chave no escândalo do mensalão pode servir como metáfora de toda a atitude do governo Lula ao longo da crise. Nas sessões da CPI ou fora delas, não há membro do Executivo, a começar pelo próprio presidente da República, cujas reações se diferenciem, na essência, das de Silvio
Pereira ou Delúbio Soares: o negaceio travestido de inocência, a desmemória produzida de encomenda,
a versão emergencial fabricada em
série, o discurso respeitoso de apoio
às investigações convivendo com o
seu sistemático boicote.
O fracasso em que redundou a última sessão da CPI dos Bingos simboliza, todavia, mais do que isso. Apresentam-se novos requerimentos para que mais personagens venham a
depor; no âmbito do Congresso,
projetam-se novas CPIs para que
mais escândalos venham a ser investigados; se, um após o outro, deputados são absolvidos em plenário, contam-se às dezenas os passíveis de novas investigações, os expostos a novos escândalos e naturalmente os
candidatos a novas absolvições.
Vão ficando evidentes, nesse processo, os limites das CPIs enquanto
instrumento de investigação e, mais
ainda, os limites do Congresso para
coibir os abusos em que se envolve.
Com toda a frustração que provocam, entretanto, melhor muitas CPIs
do que nenhuma. Seria de toda conveniência, a este governo ou a qualquer outro, que se concluísse pela
inutilidade das comissões de inquérito devido aos grandes e pequenos
malogros em que resultam.
Não sem uma ponta de orgulho, a
bancada situacionista argumenta
que a Polícia Federal e o Ministério
Público estão mais aparelhados que
o Congresso para desenredar os refinadíssimos esquemas de corrupção
em curso. Se isso é verdade, tampouco se pode negar que, graças à visibilidade das CPIs, a opinião pública
dispõe de um meio de avaliação e
aprofundamento de tudo o que há de
nebuloso nos atos de um governo.
Desloca-se para as CPIs, na verdade, o centro das atividades do Parlamento -no que tem de fiscalizador
dos atos do Executivo, e também no
que possui de instável, de tumultuoso, de inconclusivo em seus debates.
Não se trata de tribunal, nem de delegacia de polícia -embora às vezes se
considere assim e, outras, a sociedade espere que assim seja de fato.
Sessões melancólicas se sucedem;
do ponto de vista jurídico e policial,
pouco se avança. Do ponto de vista
político, entretanto, os silêncios de
um Delúbio, as amnésias de um Silvinho, vexames, lágrimas, ridículos e
desconversas de outros tantos, não
deixam de constar, a seu modo, como um espetáculo esclarecedor.
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