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Balbúrdia legislativa
Assuntos exóticos que entram por contrabando no texto de MPs agravam descontrole das votações do Congresso Nacional
PROPOR novas leis é atribuição clássica de deputados em qualquer democracia. No Brasil, as coisas acontecem de modo diverso
-a ponto de uma liderança do
DEM ter declarado nesta semana, ao jornal "Valor", que "só deputado babaca apresenta projetos de lei hoje em dia".
Sem decoros de linguagem, o
anônimo autor do comentário
apontava uma grave distorção,
dentre as muitas que se conhecem, no processo legislativo brasileiro. Em vez de apresentar
projetos de lei, parlamentares
incluem emendas de sua própria
lavra no texto das medidas provisórias enviadas pelo Executivo.
Um verdadeiro "contrabando"
de iniciativas exóticas, sem nenhuma relação com a medida
provisória apresentada, termina
sendo incluído -e aprovado- a
toque de caixa no Congresso.
Exemplos dessa prática não
faltam. Na semana passada, segundo reportagem da Folha,
uma MP sobre o programa habitacional do governo recebeu um
adendo que criava 284 novos
cargos numa autarquia ligada ao
Ministério da Fazenda.
Outra MP, relativa a títulos da
dívida pública, abrigou a simplificação das licenças ambientais
em obras rodoviárias. Parlamentares legislaram sobre os avisos
do Ministério da Saúde nas embalagens de leite, numa medida
provisória sobre programa de arrendamento habitacional.
Desnecessário apontar o
quanto de obscuridade e descontrole resulta de um procedimento legislativo tão caótico.
Na última terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados,
Michel Temer (PMDB-SP),
anunciou sua intenção de evitar
os "contrabandos" nas MPs, recusando emendas de parlamentares com assuntos estranhos à
matéria original.
O gesto, na aparência positivo,
pode entretanto resumir-se a
não mais do que isso -um gesto.
Medidas provisórias tratando de
mais de um assunto já são proibidas pela Constituição -que
também insiste nos requisitos,
sempre desrespeitados, da urgência e relevância das matérias.
Os "contrabandos" nem sempre têm origem na pressão das
bancadas parlamentares: o próprio texto do Executivo já os
contempla, como resultado de
negociações anteriores entre
partidos e governo.
De resto, parece difícil prever
que um sistema tão conveniente
a deputados e senadores venha a
ser contido por ato pessoal do
presidente da Câmara. Sem dúvida, o deputado Michel Temer
tem dado evidências de seu desconforto com o abuso das medidas provisórias. Propôs recentemente uma polêmica interpretação constitucional -ainda a ser
avaliada no plenário do STF- no
sentido de agilizar a pauta do
Congresso nas ocasiões em que
uma MP está para ser votada.
São iniciativas louváveis em
seu espírito, mas que não ocultam uma precariedade essencial:
a que deriva da inércia de todo o
plenário em adotar reformas
inequívocas que possam dar às
atividades do Congresso a dignidade e o relevo que lhe cabem
numa democracia.
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