São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009

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Balbúrdia legislativa

Assuntos exóticos que entram por contrabando no texto de MPs agravam descontrole das votações do Congresso Nacional

PROPOR novas leis é atribuição clássica de deputados em qualquer democracia. No Brasil, as coisas acontecem de modo diverso -a ponto de uma liderança do DEM ter declarado nesta semana, ao jornal "Valor", que "só deputado babaca apresenta projetos de lei hoje em dia".
Sem decoros de linguagem, o anônimo autor do comentário apontava uma grave distorção, dentre as muitas que se conhecem, no processo legislativo brasileiro. Em vez de apresentar projetos de lei, parlamentares incluem emendas de sua própria lavra no texto das medidas provisórias enviadas pelo Executivo. Um verdadeiro "contrabando" de iniciativas exóticas, sem nenhuma relação com a medida provisória apresentada, termina sendo incluído -e aprovado- a toque de caixa no Congresso.
Exemplos dessa prática não faltam. Na semana passada, segundo reportagem da Folha, uma MP sobre o programa habitacional do governo recebeu um adendo que criava 284 novos cargos numa autarquia ligada ao Ministério da Fazenda.
Outra MP, relativa a títulos da dívida pública, abrigou a simplificação das licenças ambientais em obras rodoviárias. Parlamentares legislaram sobre os avisos do Ministério da Saúde nas embalagens de leite, numa medida provisória sobre programa de arrendamento habitacional.
Desnecessário apontar o quanto de obscuridade e descontrole resulta de um procedimento legislativo tão caótico.
Na última terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), anunciou sua intenção de evitar os "contrabandos" nas MPs, recusando emendas de parlamentares com assuntos estranhos à matéria original.
O gesto, na aparência positivo, pode entretanto resumir-se a não mais do que isso -um gesto. Medidas provisórias tratando de mais de um assunto já são proibidas pela Constituição -que também insiste nos requisitos, sempre desrespeitados, da urgência e relevância das matérias.
Os "contrabandos" nem sempre têm origem na pressão das bancadas parlamentares: o próprio texto do Executivo já os contempla, como resultado de negociações anteriores entre partidos e governo.
De resto, parece difícil prever que um sistema tão conveniente a deputados e senadores venha a ser contido por ato pessoal do presidente da Câmara. Sem dúvida, o deputado Michel Temer tem dado evidências de seu desconforto com o abuso das medidas provisórias. Propôs recentemente uma polêmica interpretação constitucional -ainda a ser avaliada no plenário do STF- no sentido de agilizar a pauta do Congresso nas ocasiões em que uma MP está para ser votada.
São iniciativas louváveis em seu espírito, mas que não ocultam uma precariedade essencial: a que deriva da inércia de todo o plenário em adotar reformas inequívocas que possam dar às atividades do Congresso a dignidade e o relevo que lhe cabem numa democracia.


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