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CLÓVIS ROSSI
O aparelho e a lei
SÃO PAULO - Demorei tanto para
tratar do mais recente escândalo do
Senado que acabei sendo "furado"
pelo editorial desta Folha, que usa
uma expressão ("Senado secreto")
quase igual à que pretendia usar
("Senado clandestino").
A demora não se deve, creia-me,
à preguiça, à desatenção ou ao desejo de preservar o colega do espaço ao lado nas sextas-feiras, o senador José Sarney, ao contrário do
que suspeitam alguns leitores.
Deveu-se à mais pura incredulidade. Mesmo no Brasil, onde as
mais exóticas jabuticabas florescem impávidas, parecia impossível
que o que antigamente chamávamos de "Casa das Leis" caísse na
clandestinidade. Caiu.
O que há mais para dizer sobre
um caso dessas proporções? Xingar
a mãe? A Direção de Redação proíbe. Arrancar os cabelos? São tão
poucos que já nem dá para agarrá-los. Produzir o enésimo libelo? Justo, mas sempre haverá alguém a dizer que se trata de "moralismo udenista", o que é uma baita tolice, mas
aparece, sim, senhor.
O fato é que o Senado se tornou,
sim, um aparelho clandestino, controlado por altos funcionários, ante
a omissão e/ou conivência dos senadores. Já nem sei se cabe usar a
muleta "com as exceções de praxe",
porque os pais da pátria parecem
empenhados em destruir o lugar-comum segundo o qual toda regra
tem exceções.
Senadores despreparados e/ou
omissos dependem de funcionários
preparados para entender as regras, os regulamentos, o regimento,
as entranhas da Casa. São obrigados a depender de tais funcionários
até para os atos legais, inclusive os
mais comezinhos. Imagine então
como é fácil praticar atos ilegais ou
clandestinos -ou ambos ao mesmo
tempo.
O pior é que não tem saída, porque a saída depende dos próprios
senadores, cúmplices, por ação ou
omissão, do aparelho clandestino
que era uma Casa de Leis.
crossi@uol.com.br
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