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ANTONIO DELFIM NETTO
Desvincular e descentralizar
O ministro Palocci colocou na
ordem do dia a idéia de que devemos acabar com todas as "vinculações" constitucionais. Elas foram eliminadas no governo Figueiredo, mas,
infelizmente, ressuscitadas na Constituição de 1988. Temos nos referido ao
problema muitas vezes nesta coluna.
A experiência brasileira e mundial
mostra que se trata de prática altamente inconveniente para a boa administração das finanças públicas.
Mas, se é assim, por que é tão difícil
mudar? A razão básica é que se formam no Congresso "grupos supra-partidários" que se propõem a defender alguns setores. Organizam "bancadas" que obedecem mais aos seus
interesses do que aos seus partidos:
bancada "ruralista"; bancada da "reforma agrária"; bancada "ecológica";
bancada da "educação"; bancada da
"saúde" e assim por diante. Cada uma
delas patrocinando proposições legítimas (porque defendem os interesses
de seus constituintes e foram eleitos
para tal). O problema é que todas essas "defesas" não podem ser atendidas simultaneamente sem destruir o
equilíbrio orçamentário, uma vez que
sempre tratam: 1) ou de garantir permanentemente verbas para prioridades que variam no tempo ou 2) exonerá-las de tributação. Não importa
quão importante seja o setor que se
procura ajudar: ela sempre termina
beneficiando o protegido em detrimento de todos os outros.
Há um aspecto paradoxal em tal
comportamento, uma vez que a mais
importante tarefa do Congresso é
aprovar o Orçamento (preparado pelo Executivo, mas alterável desde que
respeitado o montante das despesas) e
fiscalizar a sua execução. A "vinculação" representa, portanto, uma de
duas coisas: 1. ou o Executivo de plantão quer fixar para todo o sempre (isto
é, impor aos seus sucessores) as suas
próprias prioridades, 2. ou o Congresso atual não confia em nenhum Executivo e em nenhum Congresso (presente ou futuros) e quer fixar para todo o sempre as suas próprias prioridades.
O problema é que as prioridades
mudam! A evolução da sociedade e da
economia vai impondo novas tarefas,
que têm de ser financiadas com a redução das antigas, a não ser que se
aceite a idéia de que a carga tributária
bruta e a capacidade de endividamento do Estado não têm limites. As
"prioridades" protegidas pelas atuais
"vinculações" já produziram uma carga tributária bruta que ameaça chegar
a 40% neste "anno humanae salutis"
de 2004. No mesmo ano da redenção
do homem, a dívida líquida do setor
público já atingiu 58% do PIB. Dito de
forma mais clara: o Estado brasileiro
criado pela Constituição de 1988 atingiu um tamanho que já não cabe no
seu próprio Produto Interno Bruto!
Se o Executivo e o Congresso tiverem um pouco mais de confiança em
si mesmos, é evidente que a eliminação das "vinculações" será do interesse dos próprios setores, que se acomodarão dentro das mudanças de prioridade. O maior inimigo da "desvinculação" é a administração perdulária,
indulgente e preguiçosa. A "vinculação" garante a transferência para outros setores dos custos que se evita
cortar. Desvincular e descentralizar é
o novo nome do jogo!
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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