São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Desvincular e descentralizar

O ministro Palocci colocou na ordem do dia a idéia de que devemos acabar com todas as "vinculações" constitucionais. Elas foram eliminadas no governo Figueiredo, mas, infelizmente, ressuscitadas na Constituição de 1988. Temos nos referido ao problema muitas vezes nesta coluna.
A experiência brasileira e mundial mostra que se trata de prática altamente inconveniente para a boa administração das finanças públicas. Mas, se é assim, por que é tão difícil mudar? A razão básica é que se formam no Congresso "grupos supra-partidários" que se propõem a defender alguns setores. Organizam "bancadas" que obedecem mais aos seus interesses do que aos seus partidos: bancada "ruralista"; bancada da "reforma agrária"; bancada "ecológica"; bancada da "educação"; bancada da "saúde" e assim por diante. Cada uma delas patrocinando proposições legítimas (porque defendem os interesses de seus constituintes e foram eleitos para tal). O problema é que todas essas "defesas" não podem ser atendidas simultaneamente sem destruir o equilíbrio orçamentário, uma vez que sempre tratam: 1) ou de garantir permanentemente verbas para prioridades que variam no tempo ou 2) exonerá-las de tributação. Não importa quão importante seja o setor que se procura ajudar: ela sempre termina beneficiando o protegido em detrimento de todos os outros.
Há um aspecto paradoxal em tal comportamento, uma vez que a mais importante tarefa do Congresso é aprovar o Orçamento (preparado pelo Executivo, mas alterável desde que respeitado o montante das despesas) e fiscalizar a sua execução. A "vinculação" representa, portanto, uma de duas coisas: 1. ou o Executivo de plantão quer fixar para todo o sempre (isto é, impor aos seus sucessores) as suas próprias prioridades, 2. ou o Congresso atual não confia em nenhum Executivo e em nenhum Congresso (presente ou futuros) e quer fixar para todo o sempre as suas próprias prioridades.
O problema é que as prioridades mudam! A evolução da sociedade e da economia vai impondo novas tarefas, que têm de ser financiadas com a redução das antigas, a não ser que se aceite a idéia de que a carga tributária bruta e a capacidade de endividamento do Estado não têm limites. As "prioridades" protegidas pelas atuais "vinculações" já produziram uma carga tributária bruta que ameaça chegar a 40% neste "anno humanae salutis" de 2004. No mesmo ano da redenção do homem, a dívida líquida do setor público já atingiu 58% do PIB. Dito de forma mais clara: o Estado brasileiro criado pela Constituição de 1988 atingiu um tamanho que já não cabe no seu próprio Produto Interno Bruto!
Se o Executivo e o Congresso tiverem um pouco mais de confiança em si mesmos, é evidente que a eliminação das "vinculações" será do interesse dos próprios setores, que se acomodarão dentro das mudanças de prioridade. O maior inimigo da "desvinculação" é a administração perdulária, indulgente e preguiçosa. A "vinculação" garante a transferência para outros setores dos custos que se evita cortar. Desvincular e descentralizar é o novo nome do jogo!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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