São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 2006

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Avanço afirmativo

Ampliar desde já a diversidade dos alunos nas universidades é meta desejável, mas cotas não são a melhor resposta

DISSIPADA a maior parte da energia que animou o debate sobre cotas raciais na universidade brasileira, alguma luz aproveitável emana do braseiro ora adormecido na forma de consensos que, de modo incipiente, estão surgindo no meio social.
Reconheceu-se, primeiro, que o cerne da exclusão universitária não se encontra na questão racial. As instituições de ensino superior são incapazes de amostrar o contínuo social brasileiro como um todo na diminuta parcela que obtém nelas uma vaga. O resultado é uma universidade sem diversidade, menos plural.
A precedência do aspecto social sobre o racial, em matéria de exclusão, não apaga a realidade deste último, contudo. Se pobres são raros nas instituições da elite educacional, a metade negra e parda da população brasileira é quase invisível. A desigualdade de oportunidades que se abate sobre o estudante de baixa renda acaba potencializada pela discriminação contra o negro.
Esta Folha tem se batido contra a resposta simplista a esse problema, de propor a reserva de vagas nas universidades públicas. Prossegue considerando que não surgiram argumentos ponderáveis para desfazer a noção de que as chamadas cotas -raciais ou sociais- representam uma ruptura inadmissível do princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei.
As cotas, porém, não circunscrevem o universo das ações, ditas afirmativas, que se podem adotar para combater, nos limites do constitucional e do razoável, a falta de diversidade social na elite universitária. É o momento de avançar nesse debate.
Não há condições para impor, por meio de uma norma federal, mecanismos específicos para fomentar a inclusão na universidade. É impossível reconciliar o detalhismo da legislação em exame no Congresso com o princípio da autonomia acadêmica. Quando muito, a legislação nacional deveria limitar-se a exigir de universidades que adotem programas próprios de inclusão social.
A partir daí, talvez possam ser discutidas maneiras mais generosas e criativas de obter a desejada inclusão para cada contexto regional, em um debate enriquecedor entre a universidade e a sociedade civil em seu entorno.
De um processo dessa natureza surgiu o sistema de pontuação adicional no vestibular da Unicamp. O seu objetivo foi manter a primazia do critério do mérito e ao mesmo tempo conceder um incentivo modesto, suficiente para incluir aqueles candidatos de menor renda e negros com desempenho equivalente na segunda fase do vestibular. Isso fez aumentar, respectivamente, 18% e 42% esses contingentes.
Esta Folha, que tem sistematicamente recusado qualquer forma de discriminação positiva, passa a defender que processos como o que redundou na fórmula adotada pela Unicamp assumam a proa da discussão -desde que renunciem ao viés racial. Ao buscar a inclusão de alunos de baixa renda vindos da escola pública, uma universidade estará automaticamente contribuindo para aumentar a representação de negros. Não se trata de ignorar a prevalência difusa do racismo no Brasil, mas de reconhecer que não há como utilizar a inclusão universitária para combatê-lo sem consagrar alguma forma de discriminação racial, ainda que positiva.


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