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Avanço afirmativo
Ampliar desde já a diversidade dos alunos nas universidades é meta desejável, mas cotas não são a melhor resposta
DISSIPADA a maior parte
da energia que animou
o debate sobre cotas
raciais na universidade brasileira, alguma luz aproveitável emana do braseiro ora
adormecido na forma de consensos que, de modo incipiente, estão surgindo no meio social.
Reconheceu-se, primeiro, que
o cerne da exclusão universitária
não se encontra na questão racial. As instituições de ensino superior são incapazes de amostrar
o contínuo social brasileiro como um todo na diminuta parcela
que obtém nelas uma vaga. O resultado é uma universidade sem
diversidade, menos plural.
A precedência do aspecto social sobre o racial, em matéria de
exclusão, não apaga a realidade
deste último, contudo. Se pobres
são raros nas instituições da elite
educacional, a metade negra e
parda da população brasileira é
quase invisível. A desigualdade
de oportunidades que se abate
sobre o estudante de baixa renda
acaba potencializada pela discriminação contra o negro.
Esta Folha tem se batido contra a resposta simplista a esse
problema, de propor a reserva de
vagas nas universidades públicas. Prossegue considerando que
não surgiram argumentos ponderáveis para desfazer a noção
de que as chamadas cotas -raciais ou sociais- representam
uma ruptura inadmissível do
princípio constitucional da
igualdade de todos perante a lei.
As cotas, porém, não circunscrevem o universo das ações, ditas afirmativas, que se podem
adotar para combater, nos limites do constitucional e do razoável, a falta de diversidade social
na elite universitária. É o momento de avançar nesse debate.
Não há condições para impor,
por meio de uma norma federal,
mecanismos específicos para fomentar a inclusão na universidade. É impossível reconciliar o detalhismo da legislação em exame
no Congresso com o princípio da
autonomia acadêmica. Quando
muito, a legislação nacional deveria limitar-se a exigir de universidades que adotem programas próprios de inclusão social.
A partir daí, talvez possam ser
discutidas maneiras mais generosas e criativas de obter a desejada inclusão para cada contexto
regional, em um debate enriquecedor entre a universidade e a
sociedade civil em seu entorno.
De um processo dessa natureza surgiu o sistema de pontuação
adicional no vestibular da Unicamp. O seu objetivo foi manter
a primazia do critério do mérito
e ao mesmo tempo conceder um
incentivo modesto, suficiente
para incluir aqueles candidatos
de menor renda e negros com
desempenho equivalente na segunda fase do vestibular. Isso fez
aumentar, respectivamente,
18% e 42% esses contingentes.
Esta Folha, que tem sistematicamente recusado qualquer forma de discriminação positiva,
passa a defender que processos
como o que redundou na fórmula adotada pela Unicamp assumam a proa da discussão -desde que renunciem ao viés racial.
Ao buscar a inclusão de alunos
de baixa renda vindos da escola
pública, uma universidade estará automaticamente contribuindo para aumentar a representação de negros. Não se trata de ignorar a prevalência difusa do racismo no Brasil, mas de reconhecer que não há como utilizar a
inclusão universitária para combatê-lo sem consagrar alguma
forma de discriminação racial,
ainda que positiva.
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