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CLÓVIS ROSSI
O tango agora é nosso
SÃO PAULO - Não pode ser mera
coincidência o fato de dois intelectuais de origens totalmente diferentes, João Moreira Salles e Roberto Schwarz, convergirem para
uma análise desesperançada do
Brasil, ambos nesta Folha.
No sábado, dizia Schwarz, austríaco, pertinho dos 70 anos, brasileiríssimo, marxista: "O que desapareceu foi a perspectiva do progresso orientado e acelerado, fruto
do conflito e da consciência coletiva, que tornasse o Brasil decente
em tempos de nossa vida".
Ontem, ecoava Moreira Salles,
sobrenome tradicionalíssimo, 45
anos, sem um rótulo ideológico a
reivindicar: "As nossas ambições se
tornaram mais medíocres".
Pode até ser que se trate de percepções isoladas, vinda do segmento da intelectualidade que não renunciou a pensar.
Suspeito, no entanto, que seja
um estado de espírito mais disseminado. Cruzo com ele sempre que
encontro brasileiros que emigraram porque suas ambições não são
tão medíocres. Cruzo com ele também virtualmente, por meio de correspondência eletrônica de brasileiros que, como Schwarz, descrêem da possibilidade de viver em
um país decente e já foram atrás de
suas ambições em outras terras ou
se preparam para fazê-lo.
É gente muito diferente entre si,
desde economista de banco instalado em Londres até garçom de churrascaria rodízio de Lisboa.
Começam a se parecer com argentinos. Nunca esqueci um jantar
em Madri com Newton Carlos, um
dos mais notáveis analistas internacionais do jornalismo brasileiro,
e dois amigos argentinos exilados
da ditadura (era 1977). Falavam da
Argentina como um país abatido
por uma maldição divina da qual jamais se recuperaria.
O brasileiro leva a vantagem de
ainda achar-se cupincha de Deus,
mas já começa a intuir que a maldição é coisa nossa, feita pelo homem, pelo homem brasileiro.
crossi@uol.com.br
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