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Sem privilégios
Pelo compromisso com o pluralismo religioso e a laicidade, Congresso deveria rejeitar tratado entre Brasil e Vaticano
NA LEITURA mais complacente, é dispensável o acordo entre o
Vaticano e o Brasil,
aprovado ontem na Comissão de
Relações Exteriores da Câmara.
A grande maioria de seus 19 artigos apenas faz repetir garantias
que a legislação brasileira confere às atividades religiosas.
Liberdade de culto, isenção tributária, respeito a templos e outros patrimônios religiosos estão, afinal, inscritos no ordenamento jurídico nacional. Sob esse ponto de vista, alguém poderia
afirmar que daria no mesmo, para o Brasil, firmar a chamada
Concordata -que equivale a um
tratado internacional- ou deixar de fazê-lo.
A convalidação do acordo pelo
Congresso, entretanto, não deixaria de representar um privilégio, concedido pelo Estado brasileiro a uma religião singular, em
detrimento de todas as outras.
É frágil a tentativa de justificar
a Concordata com o argumento
de que o Vaticano possui o status
das nações soberanas, com as
quais o Brasil está livre para selar
tratados. O Estado papal só existe para defender o catolicismo
romano, religião que é o único
objeto do acordo em tramitação
no Legislativo brasileiro.
A Constituição veda alianças
entre o poder público e confissões religiosas. Essa proibição,
que traduz o princípio da laicidade do Estado, é suficiente para
que os congressistas recusem a
Concordata com o Vaticano.
Outros detalhes contidos no
texto apenas reforçam a recomendação. É o caso da redação
confusa do artigo 11, que dá margem à interpretação de que o ensino religioso nas escolas públicas -facultativo para o aluno-
tem de ser obrigatoriamente
confessional. O acordo também
pretende resolver uma pendência -se há vínculo empregatício
entre um padre e a igreja- que
está na alçada do Judiciário.
Vez ou outra se invoca o princípio da laicidade do poder público
de modo tão apaixonado e irrefletido que ele mais parece um
dogma de fé. Embora o anticlericalismo finque suas raízes na luta histórica e tenha embalado em
certa medida, na esteira do positivismo então em voga, o movimento republicano brasileiro,
não foi essa a vertente que prevaleceu na tradição brasileira.
A República cultivou, desde cedo, um espírito de tolerância
com a atividade religiosa, entendendo-a como manifestação de
caráter estritamente privado,
digna de amplo respeito. A multiplicação de denominações, notadamente neopentecostais, no
final do século 20, além do avanço do agnosticismo, atesta e ao
mesmo tempo reforça o compromisso do Estado brasileiro com a
ampla liberdade de crenças.
É em nome desse princípio
pluralista e tolerante de laicidade que o Brasil deve dispensar
parcerias privilegiadas com esta
ou aquela autoridade religiosa. O
país já sustenta um pacto irretratável com todos os seus cidadãos:
estão livres para professar a sua
fé -e têm a garantia de que o Estado não será instrumento de
nenhum proselitismo religioso.
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