São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

12 anos de renda mínima

BARJAS NEGRI


Os avanços sociais obtidos ao longo dos anos foram produtos da ação de vários governos. Muitos são de antes da gestão Lula


O ARTIGO do senador petista Aloizio Mercadante ("Eles vieram para ficar", "Tendências/ Debates", 19/7) revela a onipotência e a prepotência dos atuais detentores do poder no país.
Começa dizendo que, "durante muito tempo, eles [os pobres] foram esquecidos pelas políticas públicas" e que "sua existência praticamente só era lembrada na esteira dos debates sobre violência urbana". A partir daí, enumera várias ações do atual governo para demonstrar que, "nos últimos anos, eles têm chegado e mudado a cara feia da desigualdade brasileira".
Reproduzindo o enfadonho discurso presidencial de que "nunca antes na história deste país se fez tanto pelo social", Mercadante ignora que os avanços sociais obtidos ao longo dos anos foram produtos da ação de vários governos e que muitos desses avanços -SUS, a Lei Orgânica da Saúde, a LDB, a Loas, o ECA etc.- deram-se antes da gestão Lula.
Quanto ao Bolsa Família, o artigo omitiu que sua origem está no programa de renda mínima criado no governo Fernando Henrique Cardoso, por meio da lei nº 9.533/97, com o claro objetivo de tratar os pobres e miseráveis de forma diferenciada. A partir dessa base, assistimos a avanços importantes, com a criação do Programa Nacional de Renda Mínima, do Bolsa Escola e do Bolsa Alimentação.
Tais programas, articulados pelos ministros Clóvis Carvalho, Paulo Renato e José Serra, tinham uma agenda positiva: transferiam os recursos às famílias que comparecessem aos postos de saúde para realização de exames de pré e pós-natal em gestantes e lactantes, permitissem o acompanhamento médico das crianças, seguissem as determinações das campanhas de vacinação e fizessem com que as crianças de sete a 14 anos frequentassem as escolas.
Vamos aos números: no final de 2002, 5,1 milhões de famílias recebiam o Bolsa-Escola, 8,5 milhões recebiam o Auxílio-Gás e 1,6 milhão recebiam o Bolsa-Alimentação Todas por meio de cartão magnético.
Os programas da rede de proteção social, que eram quatro em 1995 e nos quais se investiam 1,72% do PIB, já eram 15 em 2002, com investimento de 2,24% do PIB. Além disso, em 2000, o Congresso promulgou a emenda constitucional nº 31, que instituiu o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, garantindo R$ 4 bilhões para os programas de renda mínima, propiciando também incremento nos investimentos em saneamento básico no Norte e Nordeste.
Mesmo com toda essa rede de proteção social, a campanha de Lula de 2002 apresentou como destaque a criação de dois novos programas -o Fome Zero e o Primeiro Emprego- que contribuíram com votos para sua vitória eleitoral.
A implantação de tais programas foi um enorme fracasso: o primeiro tornou-se inviável, e as cinco refeições diárias prometidas para os pobres ficou apenas na promessa; o segundo, dado o resultado pífio de ter atingido só 3,5% da meta, foi abandonado. Não restou alternativa ao atual governo que não fosse se apropriar dos bons programas do governo FHC, transformando-os no Bolsa Família.
Nem os programas nem mesmo a ideia do cartão único do Bolsa Família foram novidades. O cadastro único já estava em processo, com 4,9 milhões das famílias cadastradas, em meados de 2002, para um total de 9,3 milhões estimadas. Era chamado de Cartão-Cidadão pelo governo FHC e juntava os seguintes programas: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás, Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano.
Duas observações finais.
A primeira, o reconhecimento, pelo senador, de que o salário mínimo, mesmo diante das crises econômicas, cresceu 40% em termos reais no governo FHC. Se somados ao crescimento de 46,5% nos anos favoráveis do governo Lula, mais que dobrou seu poder de compra nos últimos 14 anos.
A segunda é que os avanços sociais acompanharam o período do Plano Real, mostrando a importância do plano como suporte para esses avanços, não obstante os esforços do senador, à época, em contestá-lo e induzir as principais lideranças de seu partido a posicionar-se contra ele.
Em síntese, o senador poderia ter reivindicado o compromisso do atual governo de manter e ampliar os benefícios da rede de proteção social que herdou. Mas que seu governo pretenda ter o monopólio dessa virtude, a história o desmente. E a prepotência não se sustenta diante dos fatos.


BARJAS NEGRI , 58, é prefeito de Piracicaba (SP). Foi secretário-executivo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e ministro da Saúde (governo FHC).


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