São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Navegar é preciso, viver não é preciso

ROBERTO LUIS TROSTER


Projeções mostram o Brasil crescendo menos que outros emergentes. Será falta de condições ou de ambições? Parece ser a segunda opção


NAVEGADORES antigos usavam a frase do título, gloriosa, segundo Fernando Pessoa, destacando a importância de fixar um destino digno à nave. Após a tempestade econômica que todos os países atravessaram, é imperativo definir para onde irá o Brasil. Para onde deve rumar? Outros tempos, outros ventos. Há novos mares a serem viajados.
Houve uma transformação radical no mundo no último ano, e um novo paradigma para o Brasil é a palavra de ordem. Pesquisas apontam crescimento de 4% ao ano a partir de 2011. É pouco. Nosso potencial permite mais.
Fatores estruturais, como a riqueza do território e do capital humano e a sofisticação do ambiente empresarial, bem como oportunidades conjunturais, tais como a demanda externa por produtos agroindustriais e a liquidez internacional abundante, mostram que é possível. Um ajuste de rota é necessário.
Um dos fatores que podem ajudar a acelerar a economia é a queda do patamar das taxas de juros. Tanto as taxas curtas como as longas estão rompendo pisos históricos, e não é só redução temporária causada pela crise.
Os determinantes da queda são anos de maior responsabilidade fiscal, de volatilidade mais baixa de câmbio e de preços, de dinâmica da dívida pública, de credibilidade conquistada pela autoridade monetária, de abertura comercial e financeira. Enfim, de melhorias na política econômica.
Os juros permanecerão baixos por algum tempo e podem, dependendo da qualidade da política econômica, cair ainda mais.
Um patamar de taxas menores abafa a especulação financeira, barateia o crédito, incentiva investimentos produtivos e desconcentra a riqueza, contribuindo para o desenvolvimento. Juros baixos também reduzem o custo de carregamento da dívida pública e criam um círculo virtuoso entre taxas mais baixas e mais diminuições do endividamento do governo.
Os juros que sempre foram âncora estão virando motor do crescimento.
A política fiscal é um exemplo emblemático da necessidade de mudanças. Enquanto um aumento temporário de gastos públicos para atenuar os efeitos da crise é a prescrição correta para amenizar seus efeitos neste ano, uma elevação permanente, como a que está acontecendo, limita a capacidade de crescer no futuro. A construção de um Estado forte é uma prescrição para o país avançar.
Todavia, a atual composição das despesas causa o inchaço do Estado e seu enfraquecimento. Algo que deve ser evitado. Uma reforma política é também condição necessária.
No setor produtivo, há necessidade de ações dirigidas. Embora o pior da turbulência já tenha sido superado, nem todos saíram incólumes. Enquanto alguns índices de atividade e vendas estão positivos, outros números de inadimplência e emprego ainda preocupam. A mudança de cenário está asfixiando alguns setores manufatureiros. Há ajustes a serem feitos, há um novo paradigma a ser definido.
A política usada para a indústria está ultrapassada. O uso de subsídios tributários e a proposta de desvalorizar o câmbio para baixar preços de exportação não é solução permanente.
Sem diminuir o ritmo dos gastos públicos, não há espaço para a redução duradoura de impostos, e o real deve permanecer valorizado no futuro próximo, independente das ações da autoridade monetária. Ganhos de competitividade internacional têm de ser obtidos por meio de maior produtividade.
Tem-se a impressão de uma complacência do governo com a situação atual, usando a mesma fórmula. O foco da política econômica está em 2009 e em 2010, ano de eleições. Medidas que produzam um crescimento maior em 2011 e nos anos seguintes não parecem estar no radar.
Ilustrando o ponto, as projeções dos próximos anos mostram o Brasil crescendo menos que outros emergentes. Será que é por falta de condições ou de ambições? Parece ser o caso da segunda opção.
A bem da verdade, em vez do conformismo, a condução da política econômica poderia desejar mais e adequar-se para promover um crescimento maior. Uma comparação com outros países mostra que é possível.
Uma análise da última década mostra que o país é capaz.
A fórmula é conhecida: adequar a composição e o volume dos gastos do governo, reformar a tributação, atualizar a legislação trabalhista, combater a corrupção, implantar políticas setoriais convenientes, enfim, materializar condições de produzir.
O poema "Navegar é preciso" faz uma metáfora entre a atitude heroica dos marinheiros e o propósito impessoal de engrandecer a pátria, assumido por Fernando Pessoa.


ROBERTO LUIS TROSTER , 58, doutor em economia pela USP, é sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

robertotroster@uol.com.br
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