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TENDÊNCIAS/DEBATES
O uso do celular viva-voz no trânsito deve ser proibido?
NÃO
Use, mas não abuse
GILBERTO LEHFELD
Tudo parecia caminhar bem. A
invasão dos celulares transformou
beneficamente nossas vidas: maior flexibilidade, menos desencontros, negócios entabulados mais agilmente, maior
proximidade com a família. E, rapidamente, chegou ao lugar mais propício
ao seu uso, o automóvel -uma vez que
as horas no trânsito nada acrescentam
às pessoas, veio ajudar a transformar
em produtivo um tempo perdido.
Mas a alegria não poderia ser completa. Começou a desconfiança de que a
condução dos veículos tornava-se menos segura. Pesquisadores foram a campo verificar o que estava acontecendo e
chegaram ao veredicto: o uso do celular
com o veículo em movimento aumenta
significativamente o risco de acidentes.
Uma pesquisa realizada em Toronto,
publicada em 1997 no conceituado "The
New England Journal of Medicine", colocou mais lenha na fogueira. Foram estudados 699 motoristas que tinham celulares e se envolveram em colisões com
danos materiais consideráveis, mas sem
vítimas. Foram cruzados os horários e a
duração de 27 mil ligações feitas ou recebidas com os horários dos acidentes.
O estudo concluiu que o risco de colisão durante a ligação foi, em média,
quatro vezes maior do que quando não
em uso. Alguns países, inclusive o Brasil, proibiram sua utilização. A reação
do público foi a esperada: acha perigoso, mas é contrário à restrição.
Julgava-se que o principal fator de insegurança fosse a difícil operação de
discagem e a contínua ocupação de uma
das mãos. Aí a solução estaria no uso
dos chamados viva-voz. Mas os pesquisadores dizem que o principal fator é a
distração induzida pela conversa.
A distração sempre foi a maior causa
dos acidentes. Nosso cérebro tem uma
capacidade limitada de processamento.
Todos já vivenciamos a seguinte situação: ao entrar em uma via expressa conversando com o passageiro ao lado, toda nossa atenção passa a ser dirigida às
cuidadosas manobras. Não conseguimos mais escutar o interlocutor. Terminada a manobra, retomamos a conversação. O que ocorre é uma sobrecarga
de informações e o cérebro escolhe as
que deixará de lado -as do passageiro.
Mas qual é a diferença entre falar com
o passageiro e falar ao celular? É grande.
O passageiro presencia a situação e entende que o motorista não pode lhe dar
atenção no momento, e não o pressiona. No caso do celular, se o motorista
não responder, será interrogado se está
ouvindo, o que divide sua atenção.
O tipo de conversa influencia? Há divergências. Algumas pesquisas afirmam que o tipo da conversação não aumenta o risco. Outras dizem que há diferenças entre um "bate-papo" e uma
discussão. Há o agravante do grau de intimidade e da hierarquia do interlocutor. Outro é o senso de urgência imposto pela "ditadura do telefone". Um estudo europeu mostrou que a maioria dos
motoristas atende o celular em até dois
segundos, ou seja, o telefone tem alta
prioridade e atrapalha a concentração.
Diz a pesquisa de Toronto que o risco
ao falar ao celular é semelhante ao de dirigir alcoolizado. Embora correto, é discutível, já que as ligações duram poucos
minutos e o efeito da bebida, horas.
Na década de 30 cogitou-se proibir o
uso do rádio no carro pela mesma razão. Desde então, muitos desastres graves resultaram do desvio de atenção ao
se selecionar uma estação. Um lento desenvolvimento tecnológico trouxe os
botões com estações pré-selecionadas e,
recentemente, o botão no volante.
Acredito que não há o que discutir
quanto à proibição do celular levado ao
ouvido com a mão, especialmente se
lembrarmos que a quase totalidade dos
carros no Brasil tem câmbio mecânico,
o que significa "aprisionar" a mão direita em mais cem mudanças de marcha
por hora no trânsito urbano.
Quanto ao viva-voz, lembramos que a
sociedade tolera certos níveis de risco.
Por exemplo, é sabido que cerca de 2%
dos motoristas dirigem com álcool acima do valor legal, mas que estão envolvidos em nada menos que 50% dos acidentes fatais. Para reduzir essa estatística, os países desenvolvidos ensinaram
que são necessários centenas de milhares de testes anuais de bafômetro. Até
hoje, entretanto, a sociedade brasileira
não manifestou interesse em mudar a
interpretação da Constituição pela qual
o motorista não é obrigado a se submeter ao teste do bafômetro.
Assim, diante da importância do celular e da aceitação de certo grau de risco,
entendo que o viva-voz deve ser permitido. Campanhas informativas podem
ajudar na implantação de uma "etiqueta", rotulando de socialmente incorreto
o uso frequente do aparelho, reduzir a
duração das chamadas etc. Paralelamente, pesquisas mais aprofundadas
deverão lançar mais luz sobre o assunto.
E não nos esqueçamos de que vem aí a
ameaça do celular com imagem.
Gilberto Monteiro Lehfeld, 59, engenheiro, é
consultor em segurança de trânsito. Foi presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego
(1993-97).
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