São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A nova face do velho oportunismo eleitoral

ROBERTO AMARAL

Antevendo o fracasso eleitoral de 2006, a direita já se prepara para afrontar a governabilidade do próximo mandato

A BASE de qualquer democracia é a existência de segurança jurídica, que se traduz pelo respeito à ordem legal. Toda vez que ela é fraturada, qualquer que seja sua justificativa ética, é golpeada a democracia e são violados os direitos individuais. A ordem jurídica se baseia em dois pilares, a saber, a universalidade e a atemporalidade.
No Brasil, há uma triste tradição de só defendermos a ordem jurídica quando ela nos beneficia. Na democracia, é comum ver os "liberais" defenderem a exceção jurídica com o mesmo empenho com que, sob o autoritarismo, são os primeiros a pleitear a proteção constitucional.
Se a esquerda, temerosa do "moralismo", tem sido leniente com certas práticas políticas aéticas, a direita -que, no Brasil, se confunde com os liberais (até na sigla dos partidos políticos)- tem sido implacável contra a ordem jurídica sempre que (e tantas vezes!) é derrotada ou se vê ameaçada nas urnas.
Depois de padecer duas derrotas eleitorais com o brigadeiro Eduardo Gomes, batido por Dutra (1945) e Getúlio (1950), a direita brasileira não teve dúvidas em maquinar o golpe que redundou no 24/8/1954. Apenas passado um ano, e novamente rejeitada nas urnas, agora com o general Juarez Távora (1955), de novo a direita, ainda travestida de liberal, opta pela ruptura da ordem jurídica para impedir a posse de Juscelino.
Finalmente no poder, com Jânio, surpreendida com o ensaio de golpe da direita na direita -refiro-me, evidentemente, à ardilosa renúncia de Jânio-, a direita de novo não vacila em rasgar a Constituição, dessa vez para impedir a posse do vice João Goulart.
Derrotada pela notável reação da cidadania, não se deu por vencida e, outra vez com apoio na grande imprensa e na classe média, constrói o golpe militar de 64, que buscava justificativa na promessa de salvar a Constituição e a democracia! Foi o reino dos liberais da UDN e de todos os matizes até a redemocratização, consolidada com a Constituinte de 88.
Derrotada no propósito de desestabilizar o governo Lula e antevendo o fracasso eleitoral de 2006, a direita já se prepara para afrontar a governabilidade do próximo mandato. Eis o seu projeto político mais acalentado. A maquinação oposicionista procura corroer a futura base parlamentar do eventual segundo governo Lula tentando desmoralizar os partidos da atual e futura base de governo e o Congresso como instituição.
A aposta é esta: ou o governo Lula será minoritário no Congresso, e assim quedará à mercê de obstrução parlamentar (e da negociação espúria) e mesmo do impeachment, ou não terá sustentação, pois dependerá de uma maioria de ocasião previamente desmoralizada.
A história não registra a sobrevivência de regime democrático de par com a desmoralização de seu Parlamento. Essa desmoralização se opera pela incapacidade da imprensa ligeira de entender os fundamentos da crise do Legislativo brasileiro, que tem suas raízes na exaustão do modelo político e na falência da ordem partidária, falência e exaustão que exigem uma reforma política que não pode ser acionada pelos seus beneficiários, os próprios parlamentares e aquela elite que só aceita as mudanças que garantam que tudo ficará como está.
Uma das necessidades da reforma política, de par com a votação em listas e o financiamento público de campanha, é a revisão corajosa da essência e do âmbito da imunidade parlamentar, que não pode acobertar nenhuma espécie de má conduta.
Ocorre que má conduta não é apenas a "maracutaia" mas também a irresponsabilidade com que alguns parlamentares, mais preocupados com o foco das câmaras de televisão e o oportunismo eleitoral e protegidos pela imunidade que lhes empresta o exercício do mandato, assacam -com consciente leviandade- contra a honra de terceiros, partidos políticos e pessoas.
Recentemente, um deles -à procura de visibilidade para garantir sua reeleição- atacou o Partido Socialista Brasileiro e, ameaçado de processo, respondeu: "Pode processar que não dará em nada".
Se as elites conservadoras ainda não se conformaram com a eleição de um qualquer do povo -no caso preciso, um operário- para a Presidência da República, mais intolerável é a sua recondução com os votos dos pobres, contra o voto preconceituoso da classe média e das elites.
Mas, para essa gente, é igualmente intolerável que, diante da crise, se consolidem os partidos de esquerda e, finalmente, se consolide, em nosso país, como partido de massas, o Partido Socialista Brasileiro.


ROBERTO AMARAL, 65, advogado e cientista político, é presidente em exercício do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Foi ministro da Ciência e Tecnologia (2003-2004).

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