|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A nova face do velho oportunismo eleitoral
ROBERTO AMARAL
Antevendo o fracasso eleitoral de 2006, a direita já se prepara para afrontar
a governabilidade do
próximo mandato
A BASE de qualquer democracia
é a existência de segurança jurídica, que se traduz pelo respeito à ordem legal. Toda vez que ela é
fraturada, qualquer que seja sua justificativa ética, é golpeada a democracia e são violados os direitos individuais. A ordem jurídica se baseia em
dois pilares, a saber, a universalidade
e a atemporalidade.
No Brasil, há uma triste tradição de
só defendermos a ordem jurídica
quando ela nos beneficia. Na democracia, é comum ver os "liberais" defenderem a exceção jurídica com o
mesmo empenho com que, sob o autoritarismo, são os primeiros a pleitear a proteção constitucional.
Se a esquerda, temerosa do "moralismo", tem sido leniente com certas
práticas políticas aéticas, a direita
-que, no Brasil, se confunde com os
liberais (até na sigla dos partidos políticos)- tem sido implacável contra a
ordem jurídica sempre que (e tantas
vezes!) é derrotada ou se vê ameaçada
nas urnas.
Depois de padecer duas derrotas
eleitorais com o brigadeiro Eduardo
Gomes, batido por Dutra (1945) e Getúlio (1950), a direita brasileira não
teve dúvidas em maquinar o golpe
que redundou no 24/8/1954. Apenas
passado um ano, e novamente rejeitada nas urnas, agora com o general
Juarez Távora (1955), de novo a direita, ainda travestida de liberal, opta
pela ruptura da ordem jurídica para
impedir a posse de Juscelino.
Finalmente no poder, com Jânio,
surpreendida com o ensaio de golpe
da direita na direita -refiro-me, evidentemente, à ardilosa renúncia de
Jânio-, a direita de novo não vacila
em rasgar a Constituição, dessa vez
para impedir a posse do vice João
Goulart.
Derrotada pela notável reação da
cidadania, não se deu por vencida e,
outra vez com apoio na grande imprensa e na classe média, constrói o
golpe militar de 64, que buscava justificativa na promessa de salvar a Constituição e a democracia! Foi o reino
dos liberais da UDN e de todos os matizes até a redemocratização, consolidada com a Constituinte de 88.
Derrotada no propósito de desestabilizar o governo Lula e antevendo o
fracasso eleitoral de 2006, a direita já
se prepara para afrontar a governabilidade do próximo mandato. Eis o seu
projeto político mais acalentado.
A maquinação oposicionista procura corroer a futura base parlamentar
do eventual segundo governo Lula
tentando desmoralizar os partidos da
atual e futura base de governo e o
Congresso como instituição.
A aposta é esta: ou o governo Lula
será minoritário no Congresso, e assim quedará à mercê de obstrução
parlamentar (e da negociação espúria) e mesmo do impeachment, ou
não terá sustentação, pois dependerá
de uma maioria de ocasião previamente desmoralizada.
A história não registra a sobrevivência de regime democrático de par
com a desmoralização de seu Parlamento. Essa desmoralização se opera
pela incapacidade da imprensa ligeira
de entender os fundamentos da crise
do Legislativo brasileiro, que tem
suas raízes na exaustão do modelo político e na falência da ordem partidária, falência e exaustão que exigem
uma reforma política que não pode
ser acionada pelos seus beneficiários,
os próprios parlamentares e aquela
elite que só aceita as mudanças que
garantam que tudo ficará como está.
Uma das necessidades da reforma
política, de par com a votação em listas e o financiamento público de campanha, é a revisão corajosa da essência e do âmbito da imunidade parlamentar, que não pode acobertar nenhuma espécie de má conduta.
Ocorre que má conduta não é apenas a "maracutaia" mas também a irresponsabilidade com que alguns
parlamentares, mais preocupados
com o foco das câmaras de televisão e
o oportunismo eleitoral e protegidos
pela imunidade que lhes empresta o
exercício do mandato, assacam -com
consciente leviandade- contra a
honra de terceiros, partidos políticos
e pessoas.
Recentemente, um deles -à procura de visibilidade para garantir sua
reeleição- atacou o Partido Socialista Brasileiro e, ameaçado de processo,
respondeu: "Pode processar que não
dará em nada".
Se as elites conservadoras ainda
não se conformaram com a eleição de
um qualquer do povo -no caso preciso, um operário- para a Presidência
da República, mais intolerável é a sua
recondução com os votos dos pobres,
contra o voto preconceituoso da classe média e das elites.
Mas, para essa gente, é igualmente
intolerável que, diante da crise, se
consolidem os partidos de esquerda e,
finalmente, se consolide, em nosso
país, como partido de massas, o Partido Socialista Brasileiro.
ROBERTO AMARAL, 65, advogado e cientista político, é
presidente em exercício do Partido Socialista Brasileiro
(PSB). Foi ministro da Ciência e Tecnologia (2003-2004).
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Adib D. Jatene: Ainda a torre do Masp
Índice
|