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RUY CASTRO
Estar com a macaca
RIO DE JANEIRO - Gesto impensado, discussão acalorada, disputa
acirrada. Falha clamorosa, escoriações generalizadas, gargalhadas estrepitosas. Rota de colisão, mistura
explosiva, ruído ensurdecedor. Já
reparou como uma palavra puxa a
outra? E nada de confiar nos firmes
propósitos, nas enérgicas providências e nas opiniões abalizadas -a
impunidade campeia, os prognósticos são sombrios e o panorama, desolador.
Não falta quem engula em seco,
exerça uma fidelidade canina ou goze merecidas férias. Outros lançam
mão de expedientes escusos, apostam todas as fichas e se expõem à
execração pública. Com sorte, envolvem-se em espessa penumbra,
aguentam o repuxo e são relegados
ao esquecimento. E o que dizer dos
que envidam esforços, agregam valor e logram seu intento? São os dignos de encômios, os que deixam
marcas indeléveis e desfrutam de
merecida estima.
À primeira espiada em "O Pai dos
Burros - Dicionário de Lugares-Comuns e Frases-Feitas", tem-se a
impressão de que o autor, Humberto Werneck, levou o léxico inteiro
ao pelourinho. São cerca de 6.000
expressões previsíveis e repetitivas
que ele recomenda evitar. Mas, se
comer mosca, bater o martelo ou
abotoar o paletó são lugares-comuns, o que sobrou para escrever?
"Não é um index prohibitorum. É
mais um abra-o-olho do que um
não-pode", me diz Humberto -um
chamado a que jornalistas, escritores e outros bichos tentem manter a
língua sedutora e eficiente. Nesse
caso, estou com ele: quem pensa ou
escreve com frases-feitas não está
pensando, nem escrevendo.
Mas confesso que tenho um chiquê por certas expressões que Werneck condena, como metrópole
tentacular, trama diabólica e festim
pantagruélico. E não vou abrir mão
do estar com a macaca, fazer boca
de siri e viver à tripa forra.
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