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MARCOS NOBRE
De olho no STF
NOS ÚLTIMOS 20 anos, o
STF concentrou-se primordialmente em seu papel de última instância do Judiciário, deixando em segundo plano sua atribuição de Corte Constitucional. Deixou com isso de interferir mais significativamente na vida política do país, ficando a reboque
do Executivo e do Legislativo.
Desde a promulgação da Constituição, afirmações categóricas sobre constitucionalidade ou inconstitucionalidade pareciam apenas
estratégias da luta política mais direta. Depois de mais de 20 anos de
ditadura e outros tantos de uma
longa transição democrática, começa agora a se firmar na sociedade a visão de que há um tribunal
responsável por decidir o que é e o
que não é constitucional.
O STF não está tomando o lugar
do Congresso, "judicializando a política" nem praticando "ativismo
judicial". Está apenas assumindo
um papel que lhe é próprio em uma
democracia constitucional.
Atribuir o atual protagonismo do
STF a uma paralisia do Legislativo
ou a idiossincrasias de seus ministros esconde a novidade da transformação atual. Não faz jus ao cuidado com que têm sido elaborados
os votos sobre casos constitucionais complexos e exemplares.
O que está em jogo hoje é a imagem que passará a ter a Constituição após o exame de uma série de
casos difíceis, um processo que deverá durar muitos anos ainda. É somente a partir desses julgamentos
que deverá ser possível dizer com
propriedade que o STF estabeleceu
um conjunto de precedentes de interpretação que perfazem um todo
coerente.
Daí a importância de o tribunal
continuar em sintonia fina com a
agenda do debate público. É muito
positivo o início das transmissões
ao vivo, pela televisão, das sessões
de julgamento. É revelador que votações paradigmáticas venham a
ser retomadas apenas depois da
campanha eleitoral deste ano. É
digna de nota a realização de audiências públicas e a abertura para
a manifestação de um maior número de vozes a respeito dos temas
em pauta.
A progressiva concentração do
tribunal em sua função de Corte
Constitucional não vai produzir
apenas uma cultura jurídica nova
no país. Vai estabelecer uma nova
relação entre a sociedade brasileira
e sua Constituição.
Atualmente, apenas as graves
denúncias de conflito de interesses
levantadas pela revista "CartaCapital" contra o presidente do tribunal, Gilmar Mendes, venham talvez a interferir negativamente nesse movimento em curso. Mas é de
esperar que tudo possa ser devidamente apurado e esclarecido sem
prejudicar uma transformação tão
importante para o país.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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