São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma crise (inter) nacional

SÉRGIO GUERRA


Lula perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. E o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou

VIVEMOS UM momento de angústia com o impacto da crise financeira internacional sobre o Brasil. Na crise, a queda da Bolsa brasileira em dólares só encontra paralelo na russa. A desvalorização do real equivaleu a mais de seis vezes a média das economias emergentes.
O governo brasileiro reagiu tarde e mal à crise. O Banco Central levou dias contemplando o mercado em pânico. Depois, começou a torrar dólares de reservas para tentar segurar o câmbio e assumir riscos da desvalorização cambial. Procura até uma justificativa para a nova escalada dos juros, os maiores do planeta, quando o razoável seria reduzi-los, como os bancos centrais pelo mundo afora estão fazendo.
Uma medida provisória, o Proer do presidente Lula, deu ao Banco Central capacidade inédita de adquirir bancos em dificuldades. É claro que algo de errado aconteceu na supervisão bancária até agora. Mas a medida provisória não delineia um programa ordenado de reestruturação bancária.
Aprender com a experiência bem-sucedida do governo Fernando Henrique ajudaria a minimizar o risco de má gestão dos recursos públicos em programas desse tipo.
Era óbvio que a crise se espalharia a partir do colapso do sistema de financiamento residencial americano.
Mas, justamente nos últimos meses, o governo detonou dois sustentáculos da estabilidade, começando pela política deliberada do Banco Central de continuar valorizando o real, acelerando vertiginosamente as importações, freando as exportações e ajudando a disparar as remessas de lucros. Por isso, houve crescimento rápido do déficit em transações correntes, apesar das relações de troca altamente favoráveis ao Brasil.
Agora, depois da farra cambial, o que ocorrerá diante do declínio dos preços de nossas commodities?
Segundo, o quadro fiscal tende a se deteriorar no curto prazo, justamente quando os efeitos da crise passarão para o lado real da economia.
Seria preciso manter o crescimento das receitas reais da União num impossível 9% ao ano para absorver a expansão irresponsável dos gastos de custeio e pessoal da máquina federal e manter o superávit primário.
Porque o governo Lula não quis ou não soube, quando teve chance, conter a escalada dos juros e a apreciação insustentável do real, temos agora de arcar com as conseqüências de uma maxidesvalorização cambial e de uma ameaça de crise financeira.
Ao mesmo tempo, de forma curiosa, procura tripudiar sobre os exportadores que sofreram perdas devido à interrupção das linhas de financiamento externo.
Mas foi o próprio Banco Central, com sua política monetária, que induziu os exportadores a especular no câmbio futuro, para que ficassem quietos e compensassem no ganho financeiro o prejuízo causado pelo câmbio supervalorizado.
O esquema era simples: o exportador antecipava a receita de suas vendas tomando empréstimos em dólares, convertendo-os em reais e desfrutando das maiores taxas de juro do mundo; ganhavam também na liquidação dos empréstimos em dólares, pois compravam os dólares com reais mais valorizados. Essa foi a Bolsa-Cassino "made in" PT.
E a farra fiscal dos últimos anos? O governo foi sócio preferencial dos bancos na temporada de lucros gordos. Mais de um terço do aumento da arrecadação da União neste ano veio do setor financeiro.
A crise, diminuindo a lucratividade e o movimento do setor, comprometerá o desempenho da Receita Federal, antes mesmo de espalhar prejuízos na economia real.
Outra parcela importante do aumento da arrecadação veio do setor automobilístico, cujas vendas a crédito cresceram muito alavancadas pela extensão dos prazos de pagamento e agora sente o repuxo de uma espécie de "subprime" caboclo.
Enfrentar a retração da receita exige rever decisões que impõem aumentos da despesa nos próximos anos, extrapolando o atual mandato presidencial, além de reduzir o gasto na proposta orçamentária para 2009, contingenciar preventivamente dotações do Orçamento em curso e revogar restos a pagar ainda em aberto de exercícios anteriores.
O governo perdeu a chance de preparar o Brasil para a crise. Num aspecto, estamos piores do que a própria Argentina, que não tem déficit na conta corrente do balanço de pagamentos nem déficit fiscal.
"A crise é do Bush, não é minha".
"Aqui, se a crise chegar, vai ser uma marolinha". O talento do presidente Lula para se esquivar de responsabilidades é conhecido. Mas o país depende agora de duas habilidades que seu governo ainda não mostrou: firmeza e competência para tomar decisões difíceis e capacidade de negociação transparente e baseada no interesse nacional.


SÉRGIO GUERRA , economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB.

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