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Discurso da inocência
De uma ponta a outra do espectro político, crítica à imprensa é recurso frequente de acusados por irregularidades
NENHUMA afinidade
ideológica, por certo,
aproxima figuras como João Pedro Stedile, líder do MST, do presidente
do Senado, José Sarney; tampouco o ex-ministro José Dirceu se
situa no mesmo campo do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. Uma palavra mágica,
entretanto, é capaz de irmaná-los, conforme a ocasião, numa
notável concordância.
A palavra é "mídia". Abreviação confortável, porque impregnada de conotações "críticas",
para qualquer órgão de comunicação, eletrônico ou impresso,
que se disponha a noticiar denúncias, irregularidades, escândalos ou crimes que envolvam
personalidades públicas.
Um grupo de vândalos do MST
promove a destruição de milhares de pés de laranja numa fazenda do interior paulista; a TV
transmite as cenas. Entrevistado
pela Folha, João Pedro Stedile
dá sua versão do ocorrido.
"A direita, por meio do serviço
de inteligência da PM, soube utilizar [as imagens divulgadas]
contra a reforma agrária, se articulando com emissoras de TV
para usá-las insistentemente."
Poderia dizer, até com maior verossimilhança, que "a direita"
forjara todo o episódio, contratando falsos invasores para destruir a plantação.
Deixe-se o rústico ambiente
mental em que florescem ideólogos do MST, e será fácil encontrar, nos salões atapetados do
Congresso, o mesmo tipo de discurso. O presidente do Senado,
José Sarney, declara que "de certo modo, a mídia é inimiga das
instituições representativas".
Seguiu-se um adendo resvaladio: "Estou repetindo aquilo que,
no mundo inteiro, hoje se discute". Da teoria à prática, foi rápido
o percurso: o jornal "O Estado de
S. Paulo" continua impedido de
noticiar fatos a respeito de uma
investigação da Polícia Federal
que envolve a família Sarney.
É a "mídia", sempre a mídia,
que se coloca "acima dos poderes e da Constituição", "não teme o Judiciário nem o Legislativo e afronta o Executivo": eis
uma tese em que insiste cotidianamente o ex-ministro José Dirceu, deputado federal democraticamente cassado.
Com nuances de ênfase, o pensamento do líder petista faz rememorar o que dizia, há cerca de
dez anos, o então presidente
Fernando Henrique Cardoso,
quando vieram a público gravações sigilosas a respeito da privatização do sistema Telebrás.
"Os que movem a mídia", teorizou o peessedebista, "não sabem o poder que têm ou, às vezes, não trazem consigo a responsabilidade"; surgiriam assim
"escândalos fabricados", uma
vez que "nada é neutro nesse
mundo político".
Nada é neutro, e são todos inocentes, é claro, "nesse mundo
político". Resta apenas, de uma
ponta a outra do espectro ideológico, uma origem a ser apontada para todos os males do país: a
"mídia" -pois falar em "imprensa" desvelaria mais facilmente o
intuito de censura.
Que seja. Por maiores que sejam suas deficiências e defeitos,
não haveria melhor forma de
elogiar os meios de comunicação
do que as indignações de tantas
figuras insuspeitas.
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