São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Democracia e constrangimentos sistêmicos LUIZ WERNECK VIANNA
Essas últimas eleições confirmaram o acesso da democracia brasileira à sua idade madura, fortalecendo
as suas instituições, principalmente a
Carta de 1988, que, não por acaso, à diferença do que ocorreu em outras disputas eleitorais, não foi objeto de controvérsia nos programas dos candidatos à
sucessão presidencial.
Desse modo, a democracia política, instituída plenamente em sua arquitetura no governo Fernando Henrique, com sindicatos livres e todos os partidos legitimados, garantido o direito de greve e a mais irrestrita liberdade na manifestação de opinião já conhecida entre nós, pôde surgir descasada da democracia social. Para esse mau resultado, é bom frisar, não foi indiferente a política do PT, então refratário às alianças e à valorização das instituições. Decerto que essa dissociação entre democracia política e democracia social encontrou um bom álibi na luta contra a inflação, cujos efeitos mais perversos vitimavam as camadas sociais mais pobres da população. Nesse sentido, as políticas orientadas para a preservação da estabilidade monetária, embora tenham servido aos fins de quem, em nome da modernização, desejava emancipar o mercado da influência da política e das pressões que vinham da questão social, expressavam também critérios de equidade -o social foi absorvido passivamente pela dimensão sistêmica. Mas, como se viu, o mercado entregue à sua própria lógica, longe de nos trazer mais um surto de expansão econômica, apertou os nós das redes de constrangimentos sistêmicos que atam o país e lhe têm bloqueado as tentativas de retomar políticas de desenvolvimento. Desatar e não cortar esses nós foi a opção do eleitor e da grande coalizão política que sustentou, especialmente no segundo turno, a candidatura Lula. A opção foi pela paciência política, e não pela vontade política de um profeta iluminado; foi pelo cálculo de uma razão democrática, e não pelo carisma de uma liderança providencial. E desatá-los implica dar um fim a essa relação desigual entre as dimensões política, social e econômica, em que a segunda ficou sem comunicação com a primeira e reduzida a uma mera expressão passiva da terceira. A equação entre elas, portanto, encontraria outra forma: as demandas por democracia social devem se traduzir na linguagem da democracia política, obedecidas as regras das amplas alianças; a partir daí, por meio das instituições, escoradas na sociedade civil organizada e na força da opinião pública, inclusive a internacional, devem iniciar um movimento de assédio, crescentemente reforçado com a chegada de novos aliados, sobre os "constrangimentos sistêmicos", até que se descortine a oportunidade para se assentar uma firme retomada do desenvolvimento econômico. Nessa chave, em que o social não se deixa capturar pela intervenção messiânica e em que a política foge do canto de sereia do decisionismo, quando os nós que nos atam ainda mais se apertariam, as artes e os recursos da comunicação democrática são o instrumento idôneo com que um país ainda periférico conta para retomar em suas mãos, por meio de um generoso pacto social, o leme do seu destino, ajudando a reconfigurar para melhor o mundo em que vivemos. Luiz Werneck Vianna, 64, professor pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), é autor de "A Democracia e os Três Poderes no Brasil" (UFMG, 2002). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Paulo Pereira da Silva: Um conselho para o novo Brasil Índice |
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