São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 2006

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Pobres empregados

Mercado de trabalho precisa substituir gasto público como esteio da melhoria social no Brasil; conquistas estão em risco

A DEMOCRACIA brasileira reemergiu com o desafio de distribuir poder, renda e bem-estar a favor da maioria da população. Vinte anos depois, o modelo resultante do choque entre esse clamor e limitações políticas e econômicas cumpriu em parte seu objetivo, mas gerou distorções que, se não forem tratadas, solaparão as conquistas obtidas.
O ciclo militar transmitiu pelo menos dois legados negativos ao regime civil que se iniciava. O primeiro, já conhecido, foi a altíssima concentração de renda, que persistira apesar do forte crescimento do PIB entre 1930 e 1980. O segundo, então mais recente, foi a exaustão do modelo de desenvolvimento calcado na substituição de importações e na dívida externa.
Justamente no ato da entrega do bastão, o dínamo que produzira o "milagre" mergulhava em catatonia, as contas públicas periclitavam e a inflação atacava o bolso dos brasileiros -o dos mais pobres com sanha especial. A população urbana rompia a casa dos 100 milhões e se concentrava cada vez mais nas franjas violentas das grandes cidades.
Nesse contexto começou a ser tecida a moderna rede de proteção social do Estado brasileiro. Seu lance fundamental foi a Carta de 1988, com sua vocação universalista no capítulo dos direitos sociais. Nos anos seguintes, deram-se passos que transformaram aqueles princípios constitucionais em despesas públicas. Destacam-se a vinculação de verbas para saúde e educação, a Previdência Rural, a Lei Orgânica de Assistência Social e os programas de renda mínima depois reunidos no Bolsa Família.
O impacto social desses diversos mecanismos -potencializado pelo controle da inflação e por aumentos reais do salário mínimo- tem sido positivo. A pobreza e a desigualdade vêm diminuindo, embora em ritmo lento; avanços significativos no acesso às redes de saúde e educação foram obtidos, embora a qualidade desses serviços continue ruim.
O problema, porém, é que o modelo não contava com a persistência da letargia econômica. Nos 17 anos que se seguiram à promulgação da Constituição, a renda per capita cresceu à esquálida média anual de 0,5%. O peso fiscal da rede de proteção social cresceu e, adicionado ao custo exorbitante da estabilização monetária, ajudou a estrangular as finanças públicas e o setor privado. O Estado brasileiro absorve mais de 40% de tudo o que é produzido no país para sustentar seus gastos.
A associação entre anemia econômica e expansão da proteção social produziu distorções adicionais, como a que ontem mostrou reportagem desta Folha: invertendo o quadro de 1987, hoje a maioria dos pobres brasileiros está empregada ou procurando emprego, enquanto a minoria está inativa. O mercado de trabalho empobrece, enquanto o Estado ameniza a situação de quem não está trabalhando.
Urge ajustar esse modelo. É preciso conter o avanço do gasto público para que o Estado e o país voltem a investir, gerando empregos que representem perspectiva de ascensão social.


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