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Pobres empregados
Mercado de trabalho precisa substituir gasto público como esteio da melhoria social no Brasil; conquistas estão em risco
A DEMOCRACIA brasileira
reemergiu com o desafio de distribuir poder,
renda e bem-estar a favor da maioria da população.
Vinte anos depois, o modelo resultante do choque entre esse
clamor e limitações políticas e
econômicas cumpriu em parte
seu objetivo, mas gerou distorções que, se não forem tratadas,
solaparão as conquistas obtidas.
O ciclo militar transmitiu pelo
menos dois legados negativos ao
regime civil que se iniciava. O
primeiro, já conhecido, foi a altíssima concentração de renda,
que persistira apesar do forte
crescimento do PIB entre 1930 e
1980. O segundo, então mais recente, foi a exaustão do modelo
de desenvolvimento calcado na
substituição de importações e na
dívida externa.
Justamente no ato da entrega
do bastão, o dínamo que produzira o "milagre" mergulhava em
catatonia, as contas públicas periclitavam e a inflação atacava o
bolso dos brasileiros -o dos
mais pobres com sanha especial.
A população urbana rompia a casa dos 100 milhões e se concentrava cada vez mais nas franjas
violentas das grandes cidades.
Nesse contexto começou a ser
tecida a moderna rede de proteção social do Estado brasileiro.
Seu lance fundamental foi a Carta de 1988, com sua vocação universalista no capítulo dos direitos sociais. Nos anos seguintes,
deram-se passos que transformaram aqueles princípios constitucionais em despesas públicas. Destacam-se a vinculação de
verbas para saúde e educação, a
Previdência Rural, a Lei Orgânica de Assistência Social e os programas de renda mínima depois
reunidos no Bolsa Família.
O impacto social desses diversos mecanismos -potencializado pelo controle da inflação e por
aumentos reais do salário mínimo- tem sido positivo. A pobreza e a desigualdade vêm diminuindo, embora em ritmo lento;
avanços significativos no acesso
às redes de saúde e educação foram obtidos, embora a qualidade
desses serviços continue ruim.
O problema, porém, é que o
modelo não contava com a persistência da letargia econômica.
Nos 17 anos que se seguiram à
promulgação da Constituição, a
renda per capita cresceu à esquálida média anual de 0,5%. O peso
fiscal da rede de proteção social
cresceu e, adicionado ao custo
exorbitante da estabilização monetária, ajudou a estrangular as
finanças públicas e o setor privado. O Estado brasileiro absorve
mais de 40% de tudo o que é produzido no país para sustentar
seus gastos.
A associação entre anemia econômica e expansão da proteção
social produziu distorções adicionais, como a que ontem mostrou reportagem desta Folha:
invertendo o quadro de 1987, hoje a maioria dos pobres brasileiros está empregada ou procurando emprego, enquanto a minoria está inativa. O mercado de
trabalho empobrece, enquanto o
Estado ameniza a situação de
quem não está trabalhando.
Urge ajustar esse modelo. É
preciso conter o avanço do gasto
público para que o Estado e o
país voltem a investir, gerando
empregos que representem
perspectiva de ascensão social.
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