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Adeus à Capes
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
Ao arrotar estatísticas sobre o aumento do número de doutores, a Capes não nota a farsa dos cursos de pós-graduação em humanidades
DURANTE um mês, a Folha de
S.Paulo esperou que a Capes
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
do Ministério da Educação) respondesse a um pedido de informação a
respeito do fechamento do Programa
de Formação de Quadros Profissionais do Cebrap (Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento). No mesmo
dia em que a reportagem veio à luz, a
presidência da Capes divulgou em
seu site um texto em que insulta o
Cebrap e dá a versão dos fatos que
convém a ela.
Afirmar que "sabidamente é muito
mais cômodo receber recém-doutores para executar atividades de pesquisa institucional do que formar
pós-graduandos" é não ter idéia do
que seja o programa de formação de
quadros e é, sem prova nenhuma, denunciar que o Cebrap está usando
bolsistas como mão-de-obra não paga
para realizar pesquisas próprias.
Esse programa surgiu em 1986, no
governo Sarney, e perdurou sem que
ninguém o acusasse de ter qualquer
orientação ideológica. Serviu de válvula de escape para dar uma alternativa a bons alunos de mestrado que,
premidos pela redução de prazo das
bolsas -que, nessa época, era a política de todos nós-, pudessem dar continuidade a seus trabalhos e passar
por uma experiência interdisciplinar.
Os estudantes permaneciam dois
anos no Cebrap, tendo um orientador, mas sem aulas, embora ligados a
seu próprio projeto. Apenas se submetiam a um programa por eles mesmos elaborado, mas sob a supervisão
do responsável do programa; obrigavam-se ainda a assistir a qualquer
conferência pronunciada na casa.
Nessas condições, nunca poderia
vir a ser um programa de pós-graduação "stricto sensu" ou "lato sensu"
pela simples razão de que tinha sido
inventado para corrigir sua rigidez.
E assim ele perdurou até 2003, formando 98 pesquisadores que se mostraram do mais alto nível, a maioria
deles ocupando hoje cargos nas universidades e na alta administração
pública. Note-se ainda que em 1998
foi feita uma avaliação pela Capes
que, para nós, foi excelente.
Encurtado com sucesso o prazo de
mestrado, os melhores alunos passaram a ser diretamente dirigidos para
o doutoramento, o que prejudicou
nossa seleção.
Constatamos, porém, enorme carência na área dos recém-doutores,
muitos permanecendo sem emprego
e sem nenhuma atividade acadêmica.
Em 2003, alteramos o programa para
receber quatro recém-doutores por
dois anos, mantendo a mesma estrutura interdisciplinar à base de seminários. De 2003 até agora, recebemos
24 bolsistas doutores, dos quais oito
fizeram concursos e foram aprovados
nas melhores universidades públicas.
Espanta-nos, assim, a Capes considerar um "extraordinário privilégio"
conceder oito bolsas anuais quando
financia cerca de 500 bolsas de pós-doutoramento no país, sendo esse o
único programa unicamente dedicado à formação dos pesquisadores.
As bolsas são pagas diretamente
aos estudantes, o Cebrap não recebe
nem R$ 1 pela estadia nem cobra deles por qualquer despesa (os orientadores não são remunerados por esse
trabalho extra nem são computados
os gastos com papel, xerox, lugar de
trabalho etc.). Sempre imaginamos
que estivéssemos servindo ao país.
É patente que o nível dos doutores
hoje formados é insuficiente. Para
quatro bolsas, em 2003, recebemos
19 candidatos; em 2004, 45 candidatos; em 2005, 58 candidatos; em
2006, 24 candidatos; em 2007, 34
candidatos de todo o país. Em geral, o
nível dos projetos é muito baixo.
No delírio de arrotar estatísticas
exibindo o aumento do número de
doutores no país, a Capes não percebe a enorme farsa dos cursos de pós-graduação nas humanidades. Apenas
constata que há muitos recém-doutores desempregados e informa que,
"dada a importância dos programas
de absorção de recém-doutores", lançará "brevemente o Programa Nacional de Pós-Doutorado, cujo objetivo é
propiciar que recém-doutores que
não foram absorvidos pelo mercado
de trabalho possam elaborar e implementar projetos de desenvolvimentos de novas tecnologias".
A Capes descobre um problema
com o qual já estamos lidando há cinco anos, mas lhe interessa apenas o
setor de novas tecnologias. Sem avaliar nossa experiência de cinco anos
que ela mesma financiou, aconselha-nos a postular bolsas no novo programa. Os outros 16 anos de intensa experiência interdisciplinar não passam de um privilégio que ela concedeu ao Cebrap. A atual presidência da
Capes se pensa o umbigo do mundo e
corregedora das humanidades.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, filósofo, é professor emérito
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP e coordenador da área de filosofia do Cebrap (Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento), onde coordena o
Programa de Formação de Quadros Profissionais. É autor,
entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".
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