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RUY CASTRO
Parabéns no escuro
RIO DE JANEIRO - Terça-feira,
22:13, restaurante Da Graça, no
Horto, ducado do Jardim Botânico.
Nossa amiga Cecilia, marchande
paulistana ardentemente convertida ao Rio, faz aniversário. O recinto
ferve. Segue o bailarico, vem o chá,
biscoitos de polvilho e outros triviais. E tome polca. De repente,
apagam-se as luzes.
A galera prorrompe num flamante "Parabéns pra Você". A aniversariante avisara que não queria bolo
com velinhas -não estava ali para
pagar esse mico diante do namorado novo. Começam os abraços.
Amigos de trinta anos, outros novos, fazem fila para lhe dizer que a
amam. E só então, dito o último parabéns, percebe-se que a luz não
voltou e a rua Pacheco Leão está às
escuras.
Lá do fundo, alguém acabou de
saber pelo celular: o Rio inteiro apagou. Claro, com o calor bárbaro que
está fazendo, só podia dar nisso: toda a cidade ligou o ar refrigerado ao
mesmo tempo, houve uma sobrecarga e o sistema pifou. Mas outro
convidado anunciou: São Paulo
também apagou.
Em instantes, pela bateria de celulares presentes -eu, o único
sem-, cidades e Estados caem em
dominó: Belo Horizonte, Salvador,
Brasília, Paraná, Mato Grosso,
Acre, Rondônia. Países também:
Paraguai e -soube-se depois, era
boato-, Argentina e Uruguai. A essa altura, pensou-se num blecaute
global: a partir do Da Graça, o breu
se estendera a Nova York, Berlim,
Tóquio, Turcomenistão.
Mas ninguém se apavorou. Ao
contrário, alguém gritou "Eba!" e
atracou-se com uma amiga já madura para o abate. Uma hora depois,
as notícias foram chegando: a energia estava voltando em algumas cidades. Ótimo. Para Cecilia, no entanto, o principal já acontecera. No
futuro, ela poderia dizer aos netos
que, no dia de seus xis anos, metade
da América do Sul apagou para lhe
cantar parabéns.
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