São Paulo, sábado, 14 de novembro de 2009

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RUY CASTRO

Parabéns no escuro

RIO DE JANEIRO - Terça-feira, 22:13, restaurante Da Graça, no Horto, ducado do Jardim Botânico. Nossa amiga Cecilia, marchande paulistana ardentemente convertida ao Rio, faz aniversário. O recinto ferve. Segue o bailarico, vem o chá, biscoitos de polvilho e outros triviais. E tome polca. De repente, apagam-se as luzes.
A galera prorrompe num flamante "Parabéns pra Você". A aniversariante avisara que não queria bolo com velinhas -não estava ali para pagar esse mico diante do namorado novo. Começam os abraços. Amigos de trinta anos, outros novos, fazem fila para lhe dizer que a amam. E só então, dito o último parabéns, percebe-se que a luz não voltou e a rua Pacheco Leão está às escuras.
Lá do fundo, alguém acabou de saber pelo celular: o Rio inteiro apagou. Claro, com o calor bárbaro que está fazendo, só podia dar nisso: toda a cidade ligou o ar refrigerado ao mesmo tempo, houve uma sobrecarga e o sistema pifou. Mas outro convidado anunciou: São Paulo também apagou.
Em instantes, pela bateria de celulares presentes -eu, o único sem-, cidades e Estados caem em dominó: Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Paraná, Mato Grosso, Acre, Rondônia. Países também: Paraguai e -soube-se depois, era boato-, Argentina e Uruguai. A essa altura, pensou-se num blecaute global: a partir do Da Graça, o breu se estendera a Nova York, Berlim, Tóquio, Turcomenistão.
Mas ninguém se apavorou. Ao contrário, alguém gritou "Eba!" e atracou-se com uma amiga já madura para o abate. Uma hora depois, as notícias foram chegando: a energia estava voltando em algumas cidades. Ótimo. Para Cecilia, no entanto, o principal já acontecera. No futuro, ela poderia dizer aos netos que, no dia de seus xis anos, metade da América do Sul apagou para lhe cantar parabéns.


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