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CARLOS HEITOR CONY
O verbo e a verba
RIO DE JANEIRO - O bom senso recomendaria que eu comentasse a
eleição passada. Mas quase todos
os cronistas escreveram sobre o assunto, com mais entusiasmo e mais
autoridade do que eu.
Sendo assim, vou falar de um caso que não interessa a ninguém,
nem mesmo a mim, mas que deve
ter alguma coisa a ver com a situação que atravessamos.
Um sujeito vende livros usados
no Largo do Machado. Não sei onde
ele arranja seu estoque, que é fantasticamente variado, pois tem romances de Clarice Lispector em edições antigas e vagabundas, livros
de medicina legal, catálogos de telefone de Alagoas e um guia turístico de Sergipe, até mesmo a coleção
completa de uma enciclopédia espanhola.
Sempre que passo por ele recebo
o tratamento de "doutor" e a oferta
de uma novidade, que não compro,
mas examino com interesse. Semana passada, ele me ofereceu um catatau de 600 páginas, intitulado
"Por que perdi a eleição?"
Era de um tal Ataliba Pessoa (inventei este nome para não criar caso com o personagem verdadeiro),
candidato a deputado estadual em
Coroa Grande, acho que no Estado
do Rio. Jurisconsulto, poeta, historiador, conicultor (nenhuma relação comigo, simplesmente um criador de coelhos), e nas horas vagas,
maçom de elevado grau numa loja
do Grande Oriente.
Ele perdeu a eleição e desabafa
os podres da campanha com a mesma sinceridade com que se elogia.
Faz um histórico dos problemas nacionais e internacionais, detendo-se, sobretudo na problemática situação de seu município.
Teve briga séria com um delegado local -que ele chama de "Satanás do litoral fluminense"- e defende-se com unhas e dentes de um
caso de defloramento que lhe foi
atribuído pela família da vítima.
E conclui que perdeu a eleição
não por falta de verbo, mas de verba.
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