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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
Waste land
SETORES DO governo vêem na
proteção ambiental entraves
ao desenvolvimento socioeconômico, supostamente conexo
ao progresso social. Seus ditos são
generalizados e abstraem as condições concretas desses processos.
Nesse assunto, deve-se lembrar
que natureza e trabalho são, tanto
uma como outro, a fonte de toda a
riqueza material, mas que o vínculo entre ambos muda conforme o
sistema produtivo em que se inserem. No caso em pauta, está em foco o agronegócio.
Desde o regime militar, modernizou-se a agropecuária, cuja mecanização crescente provocou aumento de produtividade e transformações nas formas do trabalho.
Nessa composição surgiu e cresceu
a mão-de-obra temporária, mas
posteriores inovações tecnológicas
inverteram esse quadro, reduzindo
o trabalho provisório ao passo que
expandia o permanente (Staduto,
Shikida, Bacha). Isso poderia parecer uma troca positiva na qualidade de vida do "bóia-fria", sem direitos trabalhistas, com jornadas extenuantes e doenças correlatas
(Alessi, Navarro). Seu resultado,
porém, foi a retração de emprego
rural. De modo conexo, aumentou
a força de trabalho excedente e
não-qualificada, que nem por sua
baixa remuneração interessa ao
agronegócio.
As novas tecnologias poupadoras de mão-de-obra e minimizadoras de custos demandam operadores com instrução compatível. Essa
dinâmica investe-se de autonomia
no ajustamento das empresas aos
mercados e ao selecionar o trabalhador apto (Staduto et al). "Neste
país", onde a educação é menosprezada, torna-se difícil ao assalariado integrar-se a esse modelo
avançado e escasso em emprego.
Portanto é endógeno a esse mecanismo a gênese de grandes contingentes rurais marginalizados, refazendo-se a velha figura do andarilho com a trouxa nas costas, egresso das grandes fazendas monocultoras. Agora não mais são vultos
vagando solitários, e sim grupos,
sempre na iminência de conflitos.
Esse problema social rapidamente
converte-se em questão de polícia.
Voltando ao ponto de partida
-natureza e trabalho são a fonte de
toda riqueza material-, vemos que
um desenvolvimento arbitrário
pode levar à violência contra os
dois termos desse binômio: profanar céus e terra e dissolver formas
de vida humana. Nas milenares
imagens da ferocidade política, o
javali é, por excelência, símbolo
destruidor. A parábola bíblica do
porco selvagem devorando a obra
divina e a metáfora poética do suíno bravo corroendo o corpo político (ainda Ricardo 3º) podem bem
colher a força autoritária dessa dupla invasão de solos e almas. "Fechas a porta contra o leão, o leopardo, o lobo ou o javali/ Por que não,
mais,/ Contra bestas com almas de
homens danados/ Contra homens
que se danariam a bestas" (Eliot).
sylvia.franco@uol.com.br
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO escreve às
quintas-feiras nesta coluna.
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