São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As Nações Unidas e o combate à corrupção

GIOVANNI QUAGLIA

Quando todos os governos implementarem de fato a convenção, será possível restringir a níveis mínimos os desvios da corrupção

HÁ EXATAMENTE um ano, entrou em vigor a mais jovem convenção da ONU (Organização das Nações Unidas), com a missão de controlar e prevenir a corrupção -um problema mundial, que requer respostas de igual dimensão.
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Uncac, na sigla em inglês), adotada pela Assembléia Geral da ONU em outubro de 2003, foi assinada por mais de 110 países, entre eles o Brasil, em 9/12 do mesmo ano. A data ficou conhecida como o Dia Internacional contra a Corrupção, proposta apresentada pela delegação brasileira. A Uncac entrou em vigor em 14/12/2005, após atingir o número mínimo de ratificações.
Além de ser bastante abrangente, a Uncac é o primeiro instrumento internacional anticorrupção juridicamente vinculante. Até hoje, 140 países já a assinaram e 80 a ratificaram, entre eles o Brasil, em junho de 2005.
O Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC) -guardião da Uncac- tem certeza de que esse será, como dizem os brasileiros, um marco jurídico que "vai pegar". Mas, para isso, é preciso vontade política -em todos os países. Quando todos os governos implementarem de fato a convenção e transformarem a teoria em prática, será possível restringir a níveis mínimos os desvios da corrupção. Para isso, é imprescindível a cooperação internacional.
A convenção ressalta a importância da recuperação de ativos. Com trabalho conjunto em cooperação policial e jurídica, será possível rastrear, bloquear e devolver somas de dinheiro desviadas para o exterior.
Países ricos e em desenvolvimento têm um papel a cumprir. Sem vontade política interna, a corrupção não será criminalizada. E os mais prejudicados são os grupos mais pobres, que dependem do bom funcionamento dos serviços públicos, sem desvio de verbas. A corrupção é um imposto artificial, uma barreira aos investimentos. Restringe o crescimento do país, corrói a confiança nas instituições e os elos da sociedade.
Parte importante dos esforços multilaterais de controlar a corrupção é monitorar como a Uncac vem sendo implementada. São necessários mecanismos legítimos e imparciais. Sobre isso trata reunião que termina hoje, na Jordânia, com 800 representantes dos países signatários. A conferência acompanha a harmonização das leis dos países de acordo com a convenção, os esforços em recuperação de ativos e a cooperação técnica para controlar a corrupção.
A princípio, os países terão um mecanismo de auto-avaliação baseado numa lista de compromissos firmados na Uncac. Com isso, governos podem identificar áreas mais vulneráveis e falhas na implementação para elaborar um plano de ação, com cronograma e prioridades a atingir. Posteriormente, o mecanismo vai testar o grau de implementação em países ricos e em desenvolvimento.
O aprimoramento legislativo em consonância com a Uncac é gradual -pode demorar até cinco anos. No dia 31/1/2006, a convenção foi promulgada e passou a vigorar no Brasil com força de lei.
Um estudo recente do Ministério Público Federal analisou artigos da Uncac que ainda não constam na legislação brasileira. Entre eles está o art. 7º, sobre medidas legislativas e administrativas para aumentar a transparência sobre financiamento de campanhas eleitorais e de partidos políticos. Outras questões ainda não foram tipificadas como crime, como enriquecimento ilícito (art. 20) e suborno no setor privado (art. 21).
Atualmente, tramita no Congresso um projeto de lei para criminalizar o enriquecimento ilícito -ainda sem previsão de aprovação. Pode parecer utopia crer num mundo sem corrupção. Teria sido ingênuo achar que ficaremos livres dela só porque as Nações Unidas -os países-membros- entraram em acordo para criar uma convenção. Mas a Uncac é uma ferramenta poderosa para a prevenção e a criminalização da corrupção -nos setores público e privado- e prevê a participação da sociedade civil na fiscalização de contas e em campanhas de prevenção.
Com medidas eficazes -e vontade política-, certamente podemos reduzir o impacto da corrupção nos governos, nas empresas e na vida dos cidadãos. Precisamos de uma cultura anticorrupção, de diretrizes... De horizontes. Como escreveu o uruguaio Eduardo Galeano, para isso servem as utopias: "Para que não deixemos de caminhar".


GIOVANNI QUAGLIA é o representante do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) para o Brasil e Cone Sul. Foi chefe de Operações na sede do UNODC (Viena) e representante do mesmo escritório no Paquistão, no Afeganistão, no Irã, no Brasil e na Bolívia.

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