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O descontrole do Judiciário
SÉRGIO RENAULT
Que o CNJ não tenha que ser sempre socorrido pelo STF e se liberte das tentações corporativas que por vezes o têm movido
PASSADOS quase dois anos da
instalação do Conselho Nacional de Justiça, o muito esperado
órgão de controle externo do Judiciário, cabe uma reflexão a respeito do
seu papel, das expectativas geradas e
das eventuais frustrações ocorridas a
partir do seu funcionamento.
Acontecimentos recentes envolvendo a atuação do CNJ recomendam
que se faça essa reflexão para que não
se dê precocemente razão aos que
eram contra o conselho nem se frustrem os que lutaram mais de 20 anos
por sua criação. É bom que se diga,
contudo, que dois anos é prazo muito
curto para que se possa fazer uma
avaliação definitiva sobre a atuação
de um órgão com atribuições tão importantes e complexas.
Muitos avanços ocorreram nos últimos anos em relação à forma pela
qual as questões relativas ao Judiciário passaram a ser debatidas no país.
A verdade é que tínhamos uma instituição pública hermética, fechada e
refratária a expor suas mazelas e dificuldades publicamente. A criação do
CNJ, como órgão que compõe a estrutura do Poder Judiciário, representou
o primeiro passo -como dizia o ministro Márcio Thomaz Bastos a respeito da reforma- na perspectiva de
construção de um Judiciário mais
aberto e democrático.
Devemos reconhecer que foi isso o
que efetivamente ocorreu. Muito
mais se sabe sobre o Judiciário, há dados e estatísticas que permitem estabelecer políticas e avaliações mais objetivas. Eis o grande avanço que representou a criação do CNJ, e era exatamente esse o papel que esperávamos que ele cumprisse a princípio.
Não foi o CNJ que inventou o nepotismo no Judiciário, viabilizando a
contratação de parentes próximos
dos juízes para exercer cargos de confiança. Também não foi o conselho
que concedeu reajustes aos magistrados, atribuindo-lhes rendimentos
acima do limite legal (teto). Para ficar
nesses dois exemplos, foi a partir da
atuação do CNJ que tanto o nepotismo como a ocorrência de remunerações ilegais no Judiciário se tornaram
assuntos conhecidos da sociedade e
objeto de discussões públicas.
Há quem diga que a atuação do CNJ
até o momento já justifica sua criação.
Há outros que dizem que sua atuação
demonstra a inutilidade de sua existência. Há ainda outros que, como eu,
defendem sua instituição, mas não
acreditam que o resultado do trabalho desenvolvido até aqui seja garantia de que ele atingirá os seus objetivos mais nobres ainda distantes.
É inegável a importância de alguns
dos temas tratados pelo CNJ, mas é
também inegável que, por diversas
vezes, o conselho agiu movido por interesses corporativos menores, não
condizentes com os desígnios mais
nobres para os quais foi criado -o
controle social e o planejamento da
atividade do Judiciário e dos juízes.
Nesses momentos, coube ao Supremo Tribunal Federal exercer o seu
papel de controle e estabelecer o limite de atuação do Conselho Nacional
de Justiça. Isso foi o que aconteceu
em relação à questão da fixação do limite de remuneração dos juízes e em
relação à extinção das férias coletivas
dos magistrados, prevista na emenda
constitucional da reforma do Judiciário (EC nš 45/04).
A verdade é que a atuação do Supremo tem sido fundamental para o adequado funcionamento do CNJ, o que
só demonstra que o modelo institucional estabelecido na Constituição
Federal é adequado para o país.
Criou-se o órgão de controle do Judiciário, mas a Constituição o manteve na estrutura do próprio Poder Judiciário e subordinado ao controle do
STF. Aliás, é justo reconhecer que o
Supremo Tribunal Federal tem sido,
no decorrer da história do Brasil, fator de estabilidade institucional, decidindo questões sensíveis que são colocadas sob o seu crivo com serenidade e altivez.
De qualquer forma, espera-se que o
Conselho Nacional de Justiça não tenha que ser sempre socorrido pelo
STF e se liberte das tentações corporativas que por vezes o tem movido.
Não se compreende, por exemplo,
que a Corregedoria Geral do Conselho não tenha dado prosseguimento a
processo disciplinar contra nenhum
juiz do país nesses quase dois anos de
funcionamento -as centenas de denúncias a ele encaminhadas foram todas arquivadas sem que houvesse sequer investigação concluída.
Demoramos décadas para ter o órgão que possa dar maior racionalidade ao funcionamento do nosso sistema judicial. Agora, não podemos permitir que as mesmas forças que resistiram à sua criação impeçam que o
conselho exerça sua competência
constitucional e o país perca o controle do Judiciário.
SÉRGIO RABELLO TAMM RENAULT, 48, advogado, é o
subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República. Foi secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2003 a 2005).
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