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Cinismo hediondo
Projeto do Executivo para agravar penas em casos de corrupção é inócuo, pois não enfrenta o problema da impunidade
O ANÚNCIO do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva de que encaminhará
ao Congresso projeto
de lei para agravar as penas previstas em casos de crimes de corrupção só pode ser recebido como mais um lance de marketing
do primeiro mandatário.
A proposta é a um só tempo redundante e demagógica. Redundante por já existir na Câmara
iniciativa para tornar "hedionda" a malversação de dinheiro
público; demagógica por tentar
fazer crer que o combate aos desvios dependeria do aumento das
punições fixadas na legislação.
A atuação do presidente da República, no mensalão do PT, é
exemplo de tergiversação e falta
de rigor. Preferiu passar a mão
na cabeça de apaniguados e, assim, alimentar a verdadeira causa da proliferação desses crimes:
a expectativa de impunidade.
É a certeza de que haverá punição -mais que o tamanho da pena- o fator de desestímulo a práticas criminosas. Quem conta
com a ausência de penalidades
não está preocupado se está sujeito pela lei a cumprir dois anos
de prisão a mais ou a menos.
A perspectiva de que o tema da
corrupção seja esquecido nas
próximas eleições, pelo fato de
todas as facções terem sido flagradas em irregularidades, só aumenta o temor de que a vida pública continue a ser um caminho
para o enriquecimento ilícito.
A tamanho descontrole, o eleitor reage com indiferença ou
com tentativas de impor algum
crivo ético. É o caso do projeto
que pretende vetar a candidatura de políticos com "ficha suja",
uma iniciativa popular, com cerca de 1,5 milhão de assinaturas,
encaminhada ao Congresso.
Embora o intuito seja elogiável, é controvertido impedir que
alguém se candidate antes de ser
condenado em definitivo, após
esgotadas todas as possibilidades de recurso. A iniciativa em
tela, porém, pretende cassar os
direitos de políticos condenados
em primeira instância ou cuja
denúncia criminal tenha sido
aceita por um tribunal de segunda ou terceira instâncias.
Não seria difícil a um rival mal-intencionado promover a abertura de processos contra adversários e obter sua condenação
em varas locais. Tribunais de
Justiça -a cúpula do Judiciário
estadual- seriam isentos ao julgarem adversários do grupo político que nomeou a maioria dos
desembargadores? No caso de
políticos com passagem pelo
Executivo, é comum que sejam
alvo de muitas ações judiciais.
Não há saída a não ser aguardar o
trânsito em julgado das ações.
O dilema é que, à luz de um sistema judicial moroso, a presunção de inocência pode tornar-se
proteção de longo prazo para
presumíveis culpados. Nesses
casos, mais uma vez, a sensação
de impunidade prevalecerá.
É preciso acelerar o trâmite
dos processos sem tisnar a garantia fundamental da presunção de inocência. Acabar com a
miríade de recursos protelatórios de defesa e impedir que casos simples tenham sempre de
subir ao Supremo são iniciativas
que apontam nessa direção.
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