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Não-epidemia
Reconhecer que os casos da febre amarela estão dentro da normalidade não implica ignorar os perigos da moléstia
HÁ UMA BOA dose de exagero na "epidemia" de
febre amarela (FA). O
número de casos confirmados nos últimos dias, que é
de apenas três, está rigorosamente dentro da normalidade
para um país que tem mais de
dois terços de seu território como área endêmica.
Em termos históricos, pode-se
até falar numa tendência de recuo. Até 2003, os casos anuais de
FA silvestre se contavam às dezenas -com pico de 85 em 2000.
Desde 2004, entretanto, o total
de ocorrências não ultrapassa a
marca de uma dezena.
O que tem ocorrido, isto sim, é
um aumento nas notificações de
casos suspeitos, que, de domingo
para cá, saltaram de 15 para 26.
Esse, contudo, é provavelmente
um fenômeno mais ligado à inquietude que tomou conta da população ao longo das últimas semanas do que a uma eventual irrupção de novos focos da moléstia. Médicos não são imunes a rumores nem ao vírus da suspeita.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, cumpre o seu
papel ao convocar cadeia nacional de rádio e TV para tentar
frear a corrida aos postos de vacinação. Sua afirmações, entretanto, tendem a ser recebidas com
reserva, senão com descrédito,
pela simples razão de que governos costumam negar epidemias,
mesmo quando elas são reais.
Assim, não parece exagero
qualificar a atual "epidemia" como uma manifestação de temor
coletivo magnificada pela mídia.
Reconhecer que o perfil epidemiológico da moléstia está dentro da normalidade não implica
fechar os olhos para os perigos de
uma epidemia de febre amarela
urbana, que são reais e demandam ações concretas das autoridades e da população.
A FA é, como a dengue, provocada por um vírus da família Flaviviridae. Também como sua prima mais comum, a FA é transmitida pela picada de mosquitos,
inclusive o Aedes aegypti. Só que
a FA é uma moléstia muito mais
grave que a dengue. Cerca de
15% das pessoas infectadas pela
FA desenvolvem a forma mais
perigosa da doença (fase tóxica),
fatal em 50% dos casos. Em relação à dengue, apenas um em cada 500 casos (0,2%) evolui para a
forma hemorrágica, que, no Brasil, tem sido letal para 10% dos
pacientes (contra menos de 1%
em países desenvolvidos).
Uma eventual reurbanização
da FA -situação em que as poucas dezenas de casos anuais contraídos em áreas de floresta saltariam para a casa dos milhares- seria desastrosa. E, infelizmente, as condições teóricas para que ela volte a ocorrer estão
presentes. Em tese, basta que
uma pessoa infectada seja picada
por um mosquito do gênero Aedes, que desde finais dos anos 90
infesta boa parte das cidades
brasileiras, para dar início a um
ciclo urbano de transmissão.
Em nosso favor está o fato de
que a FA não se transmite com a
mesma facilidade da dengue e de
que existe, desde a década de 30,
uma vacina efetiva e já produzida no Brasil contra a moléstia.
Que a onda de pânico em torno
da FA ao menos sirva para que a
população redobre seus esforços
para combater o mosquito, e que
as autoridades reforcem o sistema de vigilância sanitária. As
mortes por dengue mostram que
os serviços médicos não estão
prontos para reconhecer e tratar
rapidamente viroses graves.
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