São Paulo, terça-feira, 15 de janeiro de 2008

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Não-epidemia

Reconhecer que os casos da febre amarela estão dentro da normalidade não implica ignorar os perigos da moléstia

HÁ UMA BOA dose de exagero na "epidemia" de febre amarela (FA). O número de casos confirmados nos últimos dias, que é de apenas três, está rigorosamente dentro da normalidade para um país que tem mais de dois terços de seu território como área endêmica.
Em termos históricos, pode-se até falar numa tendência de recuo. Até 2003, os casos anuais de FA silvestre se contavam às dezenas -com pico de 85 em 2000. Desde 2004, entretanto, o total de ocorrências não ultrapassa a marca de uma dezena.
O que tem ocorrido, isto sim, é um aumento nas notificações de casos suspeitos, que, de domingo para cá, saltaram de 15 para 26. Esse, contudo, é provavelmente um fenômeno mais ligado à inquietude que tomou conta da população ao longo das últimas semanas do que a uma eventual irrupção de novos focos da moléstia. Médicos não são imunes a rumores nem ao vírus da suspeita.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, cumpre o seu papel ao convocar cadeia nacional de rádio e TV para tentar frear a corrida aos postos de vacinação. Sua afirmações, entretanto, tendem a ser recebidas com reserva, senão com descrédito, pela simples razão de que governos costumam negar epidemias, mesmo quando elas são reais.
Assim, não parece exagero qualificar a atual "epidemia" como uma manifestação de temor coletivo magnificada pela mídia.
Reconhecer que o perfil epidemiológico da moléstia está dentro da normalidade não implica fechar os olhos para os perigos de uma epidemia de febre amarela urbana, que são reais e demandam ações concretas das autoridades e da população.
A FA é, como a dengue, provocada por um vírus da família Flaviviridae. Também como sua prima mais comum, a FA é transmitida pela picada de mosquitos, inclusive o Aedes aegypti. Só que a FA é uma moléstia muito mais grave que a dengue. Cerca de 15% das pessoas infectadas pela FA desenvolvem a forma mais perigosa da doença (fase tóxica), fatal em 50% dos casos. Em relação à dengue, apenas um em cada 500 casos (0,2%) evolui para a forma hemorrágica, que, no Brasil, tem sido letal para 10% dos pacientes (contra menos de 1% em países desenvolvidos).
Uma eventual reurbanização da FA -situação em que as poucas dezenas de casos anuais contraídos em áreas de floresta saltariam para a casa dos milhares- seria desastrosa. E, infelizmente, as condições teóricas para que ela volte a ocorrer estão presentes. Em tese, basta que uma pessoa infectada seja picada por um mosquito do gênero Aedes, que desde finais dos anos 90 infesta boa parte das cidades brasileiras, para dar início a um ciclo urbano de transmissão.
Em nosso favor está o fato de que a FA não se transmite com a mesma facilidade da dengue e de que existe, desde a década de 30, uma vacina efetiva e já produzida no Brasil contra a moléstia.
Que a onda de pânico em torno da FA ao menos sirva para que a população redobre seus esforços para combater o mosquito, e que as autoridades reforcem o sistema de vigilância sanitária. As mortes por dengue mostram que os serviços médicos não estão prontos para reconhecer e tratar rapidamente viroses graves.


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