São Paulo, quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Em defesa da caça

ANTONIO AUGUSTO MARTINS CESAR


Em poucos países do mundo a caça é assunto tão universalmente abominado quanto no Brasil. É pena

"A caça, como qualquer atividade humana, tem uma ética que separa virtudes e defeitos. Existe o caçador canalha, mas existe a mistificação da caça." (José Ortega y Gasset, "Meditations on Hunting")

UMA FRASE da atriz Maitê Proença ("Se o desorientado do Bush caçasse, não teria invadido o Iraque") levantou uma polêmica que tem o efeito positivo de abrir espaço para a discussão de um tema cercado de preconceitos.
Em poucos países do mundo a caça é assunto tão universalmente abominado quanto no Brasil. É pena. A caça, quando bem regulamentada, traz benefícios para economias, populações envolvidas e meio ambiente. Pode-se gostar ou não da ideia de caçar, mas renegar a atividade como um todo, a priori, é uma grande besteira.
A primeira confusão na cabeça das pessoas que não querem nem ouvir falar do tema é não saber diferenciar caça legal de caça ilegal. É algo como pensar que tudo o que entra no país, do exterior, é contrabando.
A caça legal é uma indústria que movimenta muito dinheiro por ano no mundo todo e, nos países onde a prática é regulamentada, tem o aval, se não a coordenação direta, dos ministérios envolvidos com a conservação do meio ambiente. A caça ilegal é praticada por criminosos, geralmente em regiões remotas de países com poucos recursos para fiscalização.
Por que a regulamentação da caça pode ser benéfica? a) Gera receita para conservação.
Cerca de 75% do orçamento dos Game and Fish Departments dos EUA, responsáveis pela aquisição de terras e manutenção de parques, decorre direta ou indiretamente da caça.
b) Ao atribuir valor à vida selvagem, oferece uma fonte de renda segura às populações locais, que passam a ser aliadas na exploração controlada.
c) Oferece incentivo financeiro para que fazendeiros (terras privadas) ou o governo (reservas e concessões de caça) mantenham amplas áreas em seu estado natural.
d) É um grande auxiliar no controle de populações de animais que tendem a se expandir de forma perigosa.
e) Permite manejar de forma mais eficaz a fauna selvagem. No caso do blesbok (Damaliscus dorcas phillipsi) sul-africano, por exemplo, populações quase dizimadas em algumas áreas foram restabelecidas graças a sua reintrodução por e a partir de fazendas de caça.
A segunda confusão comum diz respeito à caça de animais em extinção. A caça legal, via de regra, não os contempla. Às vezes, algum governo oferece, geralmente em leilões e com aprovação da Cites (Convention on International Trade in Endangered Species), poucos exemplares de alguma espécie constante das listas de animais em perigo. Faz isso para conseguir mais dinheiro para conservação, em casos em que obteve sucesso na reprodução e no manejo da referida espécie em determinada área, obtendo populações viáveis e com algum "excedente".
Em 2004, por exemplo, a CITES levantou a proibição total da caça legal ao rinoceronte negro, e aos governos de Namíbia e África do Sul foi permitido dispor de uma quota anual de cinco animais cada para fins de caça.
O potencial de recursos angariados é alto: cada rinoceronte é avaliado em cerca de US$ 60 mil.
No que se refere a animais que não correm perigo de extinção, há também exemplos interessantes. Na Tanzânia, de 1977 a 1983, a caça foi proibida. Em 1977, estimava-se em 380 mil o número de elefantes no país. Em 1983, essa população havia caído para 80 mil, sobretudo porque não se conseguia frear a caça ilegal. Com o restabelecimento da caça controlada, os números subiram: hoje, há cerca de 120 mil elefantes na Tanzânia.
No Quênia, que também proibiu a caça em 1977 e a mantém proibida até hoje, a população de elefantes declinou de 170 mil para 25 mil. De uns dois anos para cá, o debate em torno da reabertura da caça controlada no Quênia tem se intensificado.
Seria ótimo se o debate se intensificasse aqui também. Uma vez mais, ninguém é obrigado a gostar de caça.
No Brasil, onde os discursos que envolvem o campo se limitam ao ecologismo e ao aventurismo, a probabilidade de a caça se tornar prática apreciada por multidões é reduzida. Mas não precisaria ser sempre ilegal. Nossa fauna -e não só caçadores enrustidos- poderia ganhar com isso.

ANTONIO AUGUSTO MARTINS CESAR, 34, bacharel em direito, é diplomata de carreira.



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