São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Prioridade universitária

A reforma universitária está ganhando prioridade na medida em que as verbas do governo não dão mais conta de sustentar a rede de faculdades públicas espalhadas pelo país.
O ex-ministro da Educação Cristovam Buarque reconhecia a necessidade de buscar novas fontes de financiamento para o ensino superior, adiantando, porém, que elas não deveriam vir nem do Estado nem do aluno. O atual ministro, Tarso Genro, também sinalizou ceticismo quanto à constitucionalidade de cobrar mensalidades. Segundo texto publicado em "O Estado de S. Paulo" em 8/2, o ministro estuda outras alternativas, que vão desde o não pagamento da dívida externa até a criação de um fundo baseado em impostos, passando pela taxação das grandes fortunas.
O que está em jogo é a escolha da estratégia a ser seguida pelo Brasil. Nesse campo, há dois modelos básicos. No primeiro, as universidades públicas são autônomas e mantidas por matrículas, mensalidades, doações e investimentos -como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. No segundo, as universidades públicas são financiadas e administradas pelo Estado -como é o exemplo da França.
Mas essa dicotomia está em franca mudança, não só para reforçar os orçamentos públicos e melhorar a eficiência. A tendência é em direção a uma combinação de recursos públicos com recursos privados para a sustentação das universidades públicas. A Inglaterra, por exemplo, acaba de aprovar uma lei que permite às universidades aumentarem a matrícula de 1.125 libras para o máximo de 3.000 libras (aproximadamente US$ 5.500), sendo que, para os estudantes pobres, haverá um empréstimo (baseado nos recursos dos pagantes) a ser pago quando o formado estiver no pico de sua renda ("The Economist", 24 de janeiro de 2004).
Por sua vez, os Estados Unidos desejam continuar com o sistema autônomo, mas consideram introduzir o sistema de financiamento britânico com o mesmo compromisso de pagamento após a formatura ("BusinessWeek", 9 de fevereiro de 2004).
Trata-se de duas economias poderosas -dentre as mais ricas do mundo- e, ao mesmo tempo, exemplos de democracia, nas quais os direitos individuais são respeitados com responsabilidade.
Sinceramente, não sei porque tanta resistência em cobrar de quem pode pagar para, com isso, conceder bolsas para os que não podem pagar. Afinal, a grande maioria dos alunos das universidades públicas passou por escolas secundárias pagas e caríssimas. São pessoas da classe alta e média-alta. Basta observar a marca, modelo e ano dos carros usados pelos alunos.
O que justifica que, no nível superior, o mais caro de todos (em especial os cursos de ciências exatas, engenharia, medicina, odontologia, agronomia e veterinária), eles venham a desfrutar de um ensino totalmente gratuito?
É preciso enfrentar com coragem essa participação do aluno de mais posses na formação de receita das universidades e na manutenção dos estudantes mais pobres. Até do ponto de vista eleitoral, a tese é válida: se ela tira alguns votos da classe alta (minoria), conquista uma avalanche de votos das classes mais baixas (esmagadora maioria).


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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