São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A máquina azeitada

RIO DE JANEIRO - Não há como discordar das últimas declarações do presidente da República. Começam por serem antigas, dos tempos de sua liderança sindical, ampliadas à exaustão pelos seus seguidores dentro ou fora do PT. "Montou-se uma bem azeitada máquina de produzir desequilíbrios". "A única razão pela qual ainda há gente passando fome é o desacerto histórico da distribuição de renda".
Perfeito. Ele sempre disse isso. Esse mesmo diagnóstico foi anunciado na carta de Pero Vaz Caminha. Acontece que Caminha não chegou ao poder, não foi eleito por 54 milhões de brasileiros para botar areia na azeitada máquina de produzir desequilíbrios.
Pelo contrário. Com a política econômica que Lula adotou, dia a dia coloca mais azeite na máquina, abastecido pelos excelentes óleos lubrificantes do neoliberalismo globalizado.
Não se pode cobrar do presidente, nos 14 meses de governo, a solução de um problema que vem desde Pero Vaz Caminha. Mas, bolas, bem que poderia tentar reverter o "desacerto histórico" que ele descobriu como razão para o flagelo da fome.
E é justamente aí que a fome, como a porca, torce o rabo. Há que desmontar essa máquina bem azeitada com medidas de governo, e não com apelos à sociedade para descascar o abacaxi. Sozinha, a sociedade nunca fará uma reforma agrária que desmonte não apenas a máquina que produz fome, mas uma série de danos colaterais que, uns entrosados com outros, impedem o nosso crescimento econômico e social.
Pior mesmo é que o presidente está careca de saber isso, há 24 anos repete a mesma lengalenga, eximindo-se de qualquer culpa por estar sempre na oposição, fora do poder.
Agora chegou lá, com o apoio compacto do eleitorado. Montou uma base de sustentação no Congresso que pouquíssimos presidentes tiveram. Continua com boa margem de popularidade. Se não resolve o problema, de duas uma: ou não quer ou não tem competência para isso.



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