|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Reformar o processo penal é preciso
MÁRCIO THOMAZ BASTOS
É evidente que não adianta ampliar o tempo máximo de prisão se o julgamento demora oito ou nove anos para chegar a seu termo
A MORTE trágica do garoto João
Hélio reacendeu a discussão
sobre a necessidade de reformas na legislação penal. Inúmeras
propostas foram apresentadas como
solução instantânea para a complexa
questão da criminalidade, como a redução da maioridade penal ou o endurecimento das penas. No entanto,
nem sempre essa urgente discussão é
realizada com a maturidade e a racionalidade necessárias.
As modificações na legislação penal
não devem ser pensadas sob uma
perspectiva emocional, mas precisam
ser discutidas com um enfoque pragmático, que vise a redução concreta
da criminalidade. O simples aumento
de pena não leva à diminuição da atividade ilícita. Logo, qualquer alteração na lei penal deve ser avaliada em
relação a sua contribuição real para o
incremento da segurança pública.
Por isso, em vez de centrar a análise
nas propostas que surgem no calor
dos acontecimentos, seria importante retomar projetos que já foram amplamente debatidos e cuja concreta
utilidade é reconhecida, como as propostas para aceleração do processo
penal. É evidente que não adianta
ampliar o tempo máximo de prisão ou
o prazo para a progressão de regime
se o julgamento pela prática de um
delito demora oito ou nove anos para
chegar a seu termo.
Esse estado de letargia é contraproducente porque, em muitos casos, garante a impunidade pela prescrição.
Essa morosidade é prejudicial à própria organização social, pois cria uma
sensação de incerteza para todos os
envolvidos em uma prática criminosa
(vitimas, réus, comunidade) que dificulta a vida em comum. A certeza e a
eficiência na aplicação da pena são
mais relevantes do que sua duração.
A reforma do processo penal é, portanto, uma necessidade. A supressão
de gargalos e a redução do tempo de
tramitação dos processos são fundamentais para criar um ambiente de
segurança e certeza da aplicação das
leis penais em um tempo razoável.
Por outro lado, é importante que essas mudanças sejam feitas sempre
com respeito aos parâmetros constitucionais que regem o direito penal,
para evitar a arbitrariedade e o cerceamento do direito de defesa.
Nesse sentido, já existem propostas
amplamente debatidas e amadurecidas em tramitação no Congresso que,
uma vez aprovadas, representarão
um processo penal mais dinâmico e
ágil. Trata-se de cinco projetos de lei
(PL) que foram reconhecidos como
importantes para o aprimoramento
da política criminal nacional pelos
três Poderes da República.
O PL 4207/01 tem o objetivo de
acelerar a tramitação do processo penal por meio de uma série de medidas
simples, como a unificação das audiências para ouvir as testemunhas
de acusação e defesa -que hoje são
realizadas em momentos distintos-
e a citação por hora certa -que evita
que o processo seja prolongado pela
dificuldade de encontrar o réu.
O PL 4203/01 regulamenta o processo no Tribunal do Júri. Os processos de julgamento de crimes dolosos
contra a vida são complexos e levam
muito tempo até sua conclusão devido à existência de recursos específicos que postergam a solução final, como é o caso do protesto por novo júri,
recurso admitido apenas para condenações iguais ou maiores que 20 anos.
Para enfrentar tais questões, o projeto propõe a racionalização de procedimentos, como a unificação de audiências para ouvir testemunhas, a
previsão de que os atos do processo só
serão adiados por motivos excepcionais e a supressão do protesto por novo júri, por ser injustificável um recurso que tenha como único fundamento o tamanho da pena aplicada.
Já o PL 4205/01 regulamenta de
maneira mais clara a produção e a validade das provas para evitar anulações de processos.
O quarto projeto (PL 4208/01) estabelece novas medidas cautelares
para assegurar o andamento do processo penal. Hoje, quando o réu atrapalha a tramitação da ação ou quando
há evidências de que ele não vai cumprir a pena, o juiz pode determinar
sua prisão preventiva. Com a aprovação da proposta, o juiz poderá aplicar
outras medidas para garantir a ordem
processual, como prisão domiciliar,
retenção de documentos ou suspensão do exercício de cargo público.
Por fim, o governo federal, a partir
da decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da lei que regulava a progressão de regime prisional nos crimes hediondos, apresentou ao Congresso um projeto para tratar do tema
(PL 6793/06). De acordo com ele, o
sentenciado por crime hediondo só
terá direito à progressão após cumprir um terço da pena, e não um sexto,
como prevê a legislação ordinária.
A aprovação desse conjunto de propostas é uma resposta racional para
uma sociedade que clama por mais
segurança. A maturidade com que cada uma delas foi discutida e apresentada e sua concreta eficácia para a redução dos delitos fazem desses projetos medidas fundamentais para o
combate efetivo à criminalidade.
MÁRCIO THOMAZ BASTOS, 71, advogado criminalista,
é o ministro da Justiça.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Eduardo Lafraia: A engenharia brasileira e o metrô de SP
Índice
|