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A engenharia brasileira e o metrô de SP
EDUARDO LAFRAIA
Passado o impacto inicial, é hora de refletir sobre o acidente. Cabe relevar a competência técnica e empresarial unida ao projeto
O INSTITUTO de Engenharia
entende que, ante o acidente
com as obras da linha 4 do metrô de São Paulo, todas as entidades ligadas à engenharia brasileira devem
ter uma atitude de reflexão e colaboração. Entende também ser preciso
analisar em profundidade as causas e
as responsabilidades devidas. É necessária uma ampla análise desprovida de emoções para que, dela, se tirem
as necessárias lições e aprendizados.
O acidente foi bastante explorado
de forma precipitada e com certa manipulação, antes de qualquer laudo
técnico. Interesses vários se aproveitaram de lamentável fatalidade para
gerar vagas informações sobre suas
causas e implicações jurídicas e críticas sobre contratos e relacionamento
entre os agentes envolvidos. Agora
que o impacto passou com o resgate
das vítimas, é o momento de refletirmos sobre o acontecido.
De início, cabe ressaltar a competência técnica e empresarial agregada
a esse projeto complexo. O Consórcio
Via Amarela representa o que há de
melhor na construção pesada brasileira e venceu a licitação em disputada concorrência, inclusive com grupos estrangeiros. Para os projetos
executivos, foram contratadas as
mais competentes empresas brasileiras de engenharia consultiva. Esse
grupo empresarial, além das qualificações técnicas, apresenta todas as
condições para desafios como esse da
linha 4, com histórico de importantes
realizações no país e no exterior.
O Metrô tem todas as condições para realizações desse tipo e é exemplo
de competência técnica e grande impulsionador da engenharia brasileira.
Desde os tempos pioneiros da implantação da primeira linha, o Metrô
vem acumulando conhecimento e
aperfeiçoando métodos gerenciais e
construtivos. Não tem sido uma tarefa fácil, pois, de um lado, as verbas estão cada vez mais escassas, e, de outro,
há uma enorme pressão por mais e
melhores transportes. O Metrô tem
se desincumbido brilhantemente
dessa tarefa, mas sofre com a descontinuidade dos investimentos.
Com relação ao contrato utilizado,
o chamado "turn key" é praticado no
mundo inteiro. Nesse caso específico,
o contrato segue sugestões do Banco
Mundial, financiador da obra. Pelo
modelo, cabem ao consórcio e seus
contratados a execução e o gerenciamento da obra e o detalhamento técnico, e aos técnicos do Metrô, o acompanhamento e a fiscalização de sua
implantação a partir do projeto básico desenvolvido pelo próprio Metrô.
Trata-se de uma obra pública e, como tal, o poder público não pode abdicar de suas tarefas e obrigações fiscalizadoras. Entendemos que as relações técnicas e contratuais estão plenamente definidas e, em função do
que for apurado, tanto as empresas
quanto o poder público são passíveis
de responder, ao lado da seguradora,
pelos danos pessoais, materiais e morais decorrentes.
Quanto à parceria público-privada
da obra, ela se atém ao material rodante, aos sistemas de controle e de
operação da linha. Nada tem a ver
com o acidente nem com o estágio das
obras. Portanto, qualquer referência
a ela neste momento é descabida.
A história da engenharia está cheia
de registros de acidentes, muitos dos
quais impossíveis de serem previstos
com os conhecimentos então disponíveis. Somente a partir deles é que se
ampliam as informações e os critérios
técnicos que permitem o progresso
da engenharia pela melhora do conhecimento técnico, da forma de gerenciamento, de administração e de
contratação.
A atual situação da engenharia brasileira, após tantos anos de escassos
investimentos, também deve ser objeto de análise. Vivemos um momento de apagões. Os poucos investimentos públicos nos últimos 25 anos resultaram em poucas obras e na conseqüente diluição das equipes e competências técnicas. Existem sinais de
um cenário futuro positivo, como o
Programa de Aceleração do Crescimento, mas é preciso também avançar em pontos cruciais, como a atualização da lei 8.666 -mudar o critério
de menor preço pelo de melhor preço.
O Instituto de Engenharia, com a
tradição e a independência que caracterizam seus 90 anos, estará acompanhando de forma isenta e responsável
a elucidação dos fatos. Acidentes são
sempre fatalidades e devem ser apurados de forma racional, e não emocional. Há fatores humanos que não
podem ser desconsiderados. Há lições e conhecimentos a serem aprendidos. O momento é de reflexão e reconstrução. É nisso que o Instituto de
Engenharia pode e deve atuar.
EDUARDO LAFRAIA, 60, engenheiro civil, é presidente do
Instituto de Engenharia.
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