São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Punir para educar

JOSÉ ROBERTO BATOCHIO

As melhores doutrinas do direito penal (desde Bonneville de Marsangy, no século 19) recomendam que a pena privativa de liberdade só seja aplicada quando as outras forem insuficientes ou inadequadas para responder ao mal do crime e reeducar o infrator. No variado arsenal repressivo do sistema penal, a prisão deve ser o último castigo a ser usado.
Mais adequadas são, na grande maioria dos casos, as aplicações de penas de natureza patrimonial -multas, perda do patrimônio e pagamento de compensações- e de medidas de interdição temporária de direitos -prestação de serviços à comunidade e liberdade condicional fiscalizada.
A abordagem passional desse tema no Brasil, onde um modelo econômico concentrador de riqueza e de privilégios sociais gera exclusão, miséria e crime, sugere, desde logo, a noção de que ninguém, em sã consciência, pode descartar a prisão como instrumento de defesa da sociedade e de repressão ao crime.
Seria a resposta da civilização à barbárie, a resistência da cultura ao instinto anti-social.
Mas, para debelar a doença, o remédio deve ser ministrado na dose exata, sob pena de, em quantidade exagerada, eliminar o doente e atestar a imperícia do médico. Desse modo, a punição do delinquente, numa sociedade civilizada, deve ser baseada em valores superiores.
Quem condena tem a obrigação de dotar a pena da força moral com que o corpo social rejeita as transgressões dos códigos democraticamente estabelecidos. Os poucos e superlotados estabelecimentos prisionais brasileiros, que têm como apêndices as delegacias de polícia -com celas improvisadas e mais desumanas do que campos de concentração-, mostram um retrato nada lisonjeiro, humilhante até, de uma sociedade que, ao castigar, reduz as diferenças entre o que pune e o que é punido.
O encarceramento deve ficar restrito aos criminosos cuja livre circulação seja uma ameaça e aos que, por sua periculosidade, não mereçam partilhar, ainda que temporariamente -pois não há prisão perpétua no Brasil-, de nosso convívio social. É o caso dos que cometeram crimes com violência física ou psíquica, qualquer que seja o bem jurídico tutelado pela norma penal violada.


A pena é um método, e não um objetivo em si mesmo; as punições alternativas são uma evolução na ciência penal
Quantos dos nossos 226 mil presos não poderiam ter sido condenados a penas pecuniárias ou a outras de natureza alternativa, em vez de jogados em penitenciárias como a que se denomina Carandiru, mas que bem poderia se chamar Auschwitz? Quantos desses, seguramente muitos, autores de delitos leves, como um furto de pequeno valor no supermercado ou uma pequena apropriação indébita no trabalho, não foram sentenciados com drásticas privações de liberdade, que não evitam a reincidência, mas geram contaminação carcerária e dificultam a reabilitação?
Quantos jovens, ainda na fase de estruturação do caráter, apanhados pela armadilha das drogas, não poderiam estar sendo recuperados, pagando por seus crimes de forma positiva e resgatando o débito social que contraíram em um momento de desatino?
Como melhor seria punido um sonegador de impostos: com a prisão ou com a perda de seu carro de luxo, de sua casa de praia, de seu jatinho ou mesmo de toda a sua empresa?
Enquanto a pena privativa de liberdade acha-se esgotada como resposta genérica ao fenômeno universal da criminalidade, as punições alternativas oferecem alto grau de eficácia, consubstanciam um fator de humanização do sistema e ensejam a reinserção social, representando uma marca de positiva evolução na ciência penal.
A pena é um método, e não um objetivo em si mesmo. Como método, deve ter o cuidado de punir para recompor a paz social violada, ressarcir a vítima e reeducar o criminoso.
Oxalá a reforma penal que se anuncia no Congresso se mostre comprometida com esses valores e impregnada do novo iluminismo penal, que precisa penetrar na nossa legislação repressiva.


José Roberto Batochio, advogado criminalista, é deputado federal (PDT-SP) e vice-líder do partido na Câmara. Foi presidente da OAB.



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