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TENDÊNCIAS/DEBATES
Punir para educar
JOSÉ ROBERTO BATOCHIO
As melhores doutrinas do direito
penal (desde Bonneville de Marsangy, no século 19) recomendam que a pena privativa de liberdade só seja aplicada quando as outras forem insuficientes ou inadequadas para responder
ao mal do crime e reeducar o infrator.
No variado arsenal repressivo do sistema penal, a prisão deve ser o último castigo a ser usado.
Mais adequadas são, na grande maioria dos casos, as aplicações de penas de
natureza patrimonial -multas, perda
do patrimônio e pagamento de compensações- e de medidas de interdição
temporária de direitos -prestação de
serviços à comunidade e liberdade condicional fiscalizada.
A abordagem passional desse tema no
Brasil, onde um modelo econômico
concentrador de riqueza e de privilégios
sociais gera exclusão, miséria e crime,
sugere, desde logo, a noção de que ninguém, em sã consciência, pode descartar a prisão como instrumento de defesa
da sociedade e de repressão ao crime.
Seria a resposta da civilização à barbárie, a resistência da cultura ao instinto
anti-social.
Mas, para debelar a doença, o remédio deve ser ministrado na dose exata,
sob pena de, em quantidade exagerada,
eliminar o doente e atestar a imperícia
do médico. Desse modo, a punição do
delinquente, numa sociedade civilizada,
deve ser baseada em valores superiores.
Quem condena tem a obrigação de
dotar a pena da força moral com que o
corpo social rejeita as transgressões dos
códigos democraticamente estabelecidos. Os poucos e superlotados estabelecimentos prisionais brasileiros, que têm
como apêndices as delegacias de polícia
-com celas improvisadas e mais desumanas do que campos de concentração-, mostram um retrato nada lisonjeiro, humilhante até, de uma sociedade
que, ao castigar, reduz as diferenças entre o que pune e o que é punido.
O encarceramento deve ficar restrito
aos criminosos cuja livre circulação seja
uma ameaça e aos que, por sua periculosidade, não mereçam partilhar, ainda
que temporariamente -pois não há
prisão perpétua no Brasil-, de nosso
convívio social. É o caso dos que cometeram crimes com violência física ou
psíquica, qualquer que seja o bem jurídico tutelado pela norma penal violada.
A pena é um método,
e não um objetivo em
si mesmo; as punições
alternativas são uma
evolução na ciência penal
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Quantos dos nossos 226 mil presos
não poderiam ter sido condenados a penas pecuniárias ou a outras de natureza
alternativa, em vez de jogados em penitenciárias como a que se denomina Carandiru, mas que bem poderia se chamar Auschwitz? Quantos desses, seguramente muitos, autores de delitos leves, como um furto de pequeno valor
no supermercado ou uma pequena
apropriação indébita no trabalho, não
foram sentenciados com drásticas privações de liberdade, que não evitam a
reincidência, mas geram contaminação
carcerária e dificultam a reabilitação?
Quantos jovens, ainda na fase de estruturação do caráter, apanhados pela
armadilha das drogas, não poderiam estar sendo recuperados, pagando por
seus crimes de forma positiva e resgatando o débito social que contraíram
em um momento de desatino?
Como melhor seria punido um sonegador de impostos: com a prisão ou
com a perda de seu carro de luxo, de sua
casa de praia, de seu jatinho ou mesmo
de toda a sua empresa?
Enquanto a pena privativa de liberdade acha-se esgotada como resposta genérica ao fenômeno universal da criminalidade, as punições alternativas oferecem alto grau de eficácia, consubstanciam um fator de humanização do sistema e ensejam a reinserção social, representando uma marca de positiva evolução na ciência penal.
A pena é um método, e não um objetivo em si mesmo. Como método, deve
ter o cuidado de punir para recompor a
paz social violada, ressarcir a vítima e
reeducar o criminoso.
Oxalá a reforma penal que se anuncia
no Congresso se mostre comprometida
com esses valores e impregnada do novo iluminismo penal, que precisa penetrar na nossa legislação repressiva.
José Roberto Batochio, advogado criminalista,
é deputado federal (PDT-SP) e vice-líder do partido na Câmara. Foi presidente da OAB.
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