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TENDÊNCIAS/DEBATES
Modernizar a diplomacia
CARLOS EDUARDO MENA
Os ministérios de Relações Exteriores, como qualquer outra instituição política, ao desenvolver a sua tarefa primordial -qual seja, a ação diplomática- estabelecem uma estreita
conexão com o ambiente social no qual
estão imersos. Por isso esses organismos não podem permanecer imutáveis
frente às profundas transformações do
presente, tanto no seio das sociedades
nacionais como na própria sociedade
mundial. Nem podem ficar indiferentes
no que se refere às modificações que se
apreciam atualmente nas formas que os
países têm adotado para se relacionar.
Não há dúvidas de que o processo de
mudanças na organização mundial é
determinante na definição das funções
que as chancelarias deverão assumir no
futuro. Surgem diversas interrogações
sobre as transformações que a humanidade experimenta. As respostas são
complexas, pois a sociedade é dinâmica.
Essas transformações se caracterizam
mais por suas mudanças do que por sua
estrutura, o que faz quase impossível
predizer o desenvolvimento. Há alguns
processos fundamentais que caracterizam as relações entre os países. Vamos
expô-los nos tópicos a seguir.
. A globalização ou mundialização
-é preciso usar as duas acepções, para
não as identificar com as ideologias que
acompanham o fenômeno. Há, aí, a dimensão econômica, que se refere à interpenetração dos mercados em todos
os seus aspectos, especialmente o financeiro, e a dimensão da cultura, afetada
pelo desenvolvimento das comunicações, processo que tem outorgado um
caráter extraterritorial às redes de informação. Além dessas, há uma dimensão
política, a qual está menos cristalizada
que os aspectos anteriores. Seu desenvolvimento pleno supõe instituições de
governo mundial e uma consequente
debilitação dos Estados.
. A afirmação das novas identidades
-que surgiu de forma autônoma e paralela à globalização. Essas identidades
são atualmente de natureza múltipla ou
plural. A principal fonte de identidade
do último século foi a nação, que serviu
de base aos outros tipos de identidades.
Isso foi particularmente efetivo nos países da América Latina, os quais foram
construídos a partir de um Estado central. Hoje essa identidade encontra-se
em crise em razão da influência exercida pelos processos de transnacionalização e globalização, os quais têm homogeneizado fortemente as sociedades.
A nova sociedade global
e pós-industrial requer
novos instrumentos
para o aperfeiçoamento
da diplomacia clássica
|
. Consumo e comunicação -nos
quais a sociedade pós-industrial se estrutura. Os atores principais dessa nova
organização social tendem a se expressar de três formas: 1 - em público ou nas
audiências que se constituem a partir de
um evento mais ou menos esporádico,
como a denominada opinião pública ou
as identidades efêmeras que são geradas
nos recitais de rock ou nos estádios; 2
-nos poderes fáticos, como os conformados pelas empresas transnacionais; e
3 -na sociedade civil. Essa sociedade geralmente se manifesta e se estrutura a
partir de categorias, como a idade, o sexo, a religião, a nacionalidade etc.
O mencionado não significa que a organização social anterior tenha desaparecido totalmente. Mas não cabe a menor dúvida de que o surgimento desse
novo tipo de organização social tenha
afetado de maneira determinante as
funções da diplomacia clássica.
As sociedade atuais possuem vários
centros dinâmicos. Hoje há um espaço
único de negociação de demandas, como ocorria na sociedade industrial. Naquela, o Estado tinha um papel central
na resolução de conflitos.
Mas, agora, há a geração de canais para a solução de problemas que têm ido
além dos Estados. Exemplo disso encontra-se nas "cumbres", as conferências entre Estados e organizações internacionais intergovernamentais.
. As políticas internas e externas
-são outra mudança das que têm afetado decisivamente as funções da diplomacia. Elas se originam da virtual fusão
entre as políticas interna e externa. Os
efeitos de ambas podem ser sentidos
fortemente nos respectivos âmbitos de
ação. Isso revela que os problemas cruciais que enfrenta a sociedade atual não
podem ser resolvidos de maneira efetiva dentro das fronteiras de cada país.
Frequentemente o arsenal da política
externa com que contam as chancelarias incorpora um limitado conjunto de
fatores de análise, o que redunda numa
restrição severa da avaliação de múltiplas e complexas inter-relações que
atualmente definem a realidade internacional. As percepções atuais não podem estar baseadas senão em sujeitos
múltiplos, sendo assim a única forma de
encarar com êxito as intrincadas realidades agora existentes.
As missões diplomáticas deverão mudar as suas funções principais, dirigindo
o seu acionar para a vinculação entre as
novas e diversas identidades e, de modo
preferencial, para as identidades regionais. Resulta, com crescente frequência,
necessário atuar nas regiões de cada
país, para o que é preciso ter informações sobre os diversos atores públicos e
privados que ali operam. Muitas vezes
as suas características diferem ou, inclusive, se contrapõem às que têm aqueles
que atuam em níveis centrais.
A nova sociedade pós-industrial requer, em síntese, novos instrumentos,
novas metodologias e instâncias institucionais que aperfeiçoem a diplomacia
clássica e incrementem a qualidade das
tarefas das missões diplomáticas.
Os critérios mencionados, mais do
que mudanças em organogramas institucionais, são os que deveriam orientar
as ações futuras no âmbito das relações
externas.
Carlos Eduardo Mena, advogado e cientista
político, é embaixador do Chile no Brasil.
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