São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Modernizar a diplomacia

CARLOS EDUARDO MENA

Os ministérios de Relações Exteriores, como qualquer outra instituição política, ao desenvolver a sua tarefa primordial -qual seja, a ação diplomática- estabelecem uma estreita conexão com o ambiente social no qual estão imersos. Por isso esses organismos não podem permanecer imutáveis frente às profundas transformações do presente, tanto no seio das sociedades nacionais como na própria sociedade mundial. Nem podem ficar indiferentes no que se refere às modificações que se apreciam atualmente nas formas que os países têm adotado para se relacionar.
Não há dúvidas de que o processo de mudanças na organização mundial é determinante na definição das funções que as chancelarias deverão assumir no futuro. Surgem diversas interrogações sobre as transformações que a humanidade experimenta. As respostas são complexas, pois a sociedade é dinâmica.
Essas transformações se caracterizam mais por suas mudanças do que por sua estrutura, o que faz quase impossível predizer o desenvolvimento. Há alguns processos fundamentais que caracterizam as relações entre os países. Vamos expô-los nos tópicos a seguir.
. A globalização ou mundialização -é preciso usar as duas acepções, para não as identificar com as ideologias que acompanham o fenômeno. Há, aí, a dimensão econômica, que se refere à interpenetração dos mercados em todos os seus aspectos, especialmente o financeiro, e a dimensão da cultura, afetada pelo desenvolvimento das comunicações, processo que tem outorgado um caráter extraterritorial às redes de informação. Além dessas, há uma dimensão política, a qual está menos cristalizada que os aspectos anteriores. Seu desenvolvimento pleno supõe instituições de governo mundial e uma consequente debilitação dos Estados.
. A afirmação das novas identidades -que surgiu de forma autônoma e paralela à globalização. Essas identidades são atualmente de natureza múltipla ou plural. A principal fonte de identidade do último século foi a nação, que serviu de base aos outros tipos de identidades. Isso foi particularmente efetivo nos países da América Latina, os quais foram construídos a partir de um Estado central. Hoje essa identidade encontra-se em crise em razão da influência exercida pelos processos de transnacionalização e globalização, os quais têm homogeneizado fortemente as sociedades.


A nova sociedade global e pós-industrial requer novos instrumentos para o aperfeiçoamento da diplomacia clássica
. Consumo e comunicação -nos quais a sociedade pós-industrial se estrutura. Os atores principais dessa nova organização social tendem a se expressar de três formas: 1 - em público ou nas audiências que se constituem a partir de um evento mais ou menos esporádico, como a denominada opinião pública ou as identidades efêmeras que são geradas nos recitais de rock ou nos estádios; 2 -nos poderes fáticos, como os conformados pelas empresas transnacionais; e 3 -na sociedade civil. Essa sociedade geralmente se manifesta e se estrutura a partir de categorias, como a idade, o sexo, a religião, a nacionalidade etc.
O mencionado não significa que a organização social anterior tenha desaparecido totalmente. Mas não cabe a menor dúvida de que o surgimento desse novo tipo de organização social tenha afetado de maneira determinante as funções da diplomacia clássica.
As sociedade atuais possuem vários centros dinâmicos. Hoje há um espaço único de negociação de demandas, como ocorria na sociedade industrial. Naquela, o Estado tinha um papel central na resolução de conflitos.
Mas, agora, há a geração de canais para a solução de problemas que têm ido além dos Estados. Exemplo disso encontra-se nas "cumbres", as conferências entre Estados e organizações internacionais intergovernamentais.
. As políticas internas e externas -são outra mudança das que têm afetado decisivamente as funções da diplomacia. Elas se originam da virtual fusão entre as políticas interna e externa. Os efeitos de ambas podem ser sentidos fortemente nos respectivos âmbitos de ação. Isso revela que os problemas cruciais que enfrenta a sociedade atual não podem ser resolvidos de maneira efetiva dentro das fronteiras de cada país.
Frequentemente o arsenal da política externa com que contam as chancelarias incorpora um limitado conjunto de fatores de análise, o que redunda numa restrição severa da avaliação de múltiplas e complexas inter-relações que atualmente definem a realidade internacional. As percepções atuais não podem estar baseadas senão em sujeitos múltiplos, sendo assim a única forma de encarar com êxito as intrincadas realidades agora existentes.
As missões diplomáticas deverão mudar as suas funções principais, dirigindo o seu acionar para a vinculação entre as novas e diversas identidades e, de modo preferencial, para as identidades regionais. Resulta, com crescente frequência, necessário atuar nas regiões de cada país, para o que é preciso ter informações sobre os diversos atores públicos e privados que ali operam. Muitas vezes as suas características diferem ou, inclusive, se contrapõem às que têm aqueles que atuam em níveis centrais.
A nova sociedade pós-industrial requer, em síntese, novos instrumentos, novas metodologias e instâncias institucionais que aperfeiçoem a diplomacia clássica e incrementem a qualidade das tarefas das missões diplomáticas.
Os critérios mencionados, mais do que mudanças em organogramas institucionais, são os que deveriam orientar as ações futuras no âmbito das relações externas.


Carlos Eduardo Mena, advogado e cientista político, é embaixador do Chile no Brasil.


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