|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Leitura de cativeiro
RIO DE JANEIRO - Em fins de
1992, um empresário foi seqüestrado em São Paulo. Os bandidos o atiraram no cativeiro e, a princípio,
bonzinhos, perguntaram-lhe se ele
não gostaria de um livro para ajudá-lo a passar os dias seguintes, em que
ficaria fora do ar. Caso sim, dispunham-se a ir lá fora e lhe comprar
um. O empresário pediu um livro
que, segundo os jornais, saíra naquele dia: "O Anjo Pornográfico",
de Fulano de Tal, sobre a vida de
Nelson Rodrigues.
O livro lhe foi entregue e o empresário leu-o sem esforço em poucos dias, enquanto esperava que as
negociações para seu resgate se
concluíssem e ele fosse logo libertado. Mas algo emperrou nas tratativas, e essas foram suspensas. Sem
prazo para sair, o empresário pediu
que lhe comprassem outro livro. Os
seqüestradores disseram que a sopa
acabara, que lesse o mesmo livro de
novo.
E, assim, nos seus mais de 40 dias
de cativeiro, o empresário releu o livro três ou quatro vezes. A certa altura, pediu papel e lápis aos captores e, de memória, reconstruiu a árvore genealógica da família Rodrigues, descrevendo as tremendas
tragédias que se abateram sobre cada um de seus membros. Quando
foi finalmente libertado, o empresário disse ao "Jornal Nacional"
que o livro o ajudara a suportar sua
própria tragédia, inspirando-lhe
força, resistência e resignação.
Ouço dizer agora que "O Anjo
Pornográfico" é quase o livro oficial
dos participantes da última edição
do "Big Brother Brasil". É passado
de mão em mão entre os homens e
as mulheres que estão há semanas
doce ou ferozmente presos naquela
casa. E, mais uma vez, a saga de Nelson Rodrigues e sua família ajuda a
atravessar adversidades.
No passado, havia os livros a se levar para uma ilha deserta. "O Anjo
Pornográfico", pelo visto, é ideal
para os cativeiros.
Texto Anterior: Brasília - Melchiades Filho: Boi na linha Próximo Texto: Eleonora de Lucena: À espera da história Índice
|