São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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MELCHIADES FILHO

Boi na linha

BRASÍLIA - A CPI dos Grampos ainda não achou sua vocação. É compreensível. Ela tem um DNA diferente. Nasceu da paranóia e da indignação dos parlamentares, e não do interesse da oposição em fustigar o governo. Falta-lhe, portanto, a estridência que os interesses partidários costumam prover. Houve também dura e inesperada concorrência nesses dois meses de trabalho. Como sobressair diante da CPMF e da Tapioca?
Além disso, nem todos se movem por disposição republicana. Uns querem aproveitar a comissão para passar uma lei que cerceie investigações e a divulgação de conteúdos comprometedores. Outros babam ante a possibilidade de descobrir segredos de alcova -e as conseqüentes oportunidades de achaque. Mas há ainda outra razão a conspirar contra o triunfo da CPI.
Violar uma linha telefônica é fácil. Livros e sites ensinam a fazer e a instalar a escuta. Basta escolher o ponto na linha e, como num exame de sangue, puxar o êmbolo. Na telefonia pela internet (VoIP), porém, a voz não viaja em bloco.
Como os fragmentos não seguem uma única rota nem trafegam necessariamente em ordem, é quase impossível fisgar e remontar a conversa. Para piorar, alguns sistemas criptografam as mensagens. A polícia da Alemanha, por exemplo, já admitiu que não sabe o que fazer.
A CPI pode dar valiosas contribuições. Dimensionar a indústria da arapongagem -410 mil escutas foram legalmente instaladas no Brasil em 2007. Obrigar juízes a monitorar o andamento das interceptações depois de autorizadas. Impedir o "bacalhau" (grampo de telefone que não é alvo da investigação). Garantir fidelidade na transcrição e edição dos diálogos. Cobrar das teles que protejam melhor a rede e combatam a escuta ilegal.
Mas a verdade é que ela delibera sobre uma realidade que a tecnologia vai deixando para trás. O colarinho branco, em Brasília e fora daqui, aprende a discar pelo Skype.


mfilho@folhasp.com.br

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