São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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Clima cético

Ação contra aquecimento global perde apoio nos EUA e alimenta visões mais pessimistas sobre a próxima cúpula do clima

A URGÊNCIA no combate às mudanças do clima provocadas pela ação humana viu-se atingida, na semana passada, por duas notícias. A primeira foi a divulgação de pesquisa de opinião segundo a qual quase metade dos norte-americanos considera exagerada a preocupação com o aquecimento do planeta. São agora 48% de "céticos", contra 41% em 2009 e 31% em 1997.
Diante do esvaziamento do apoio popular torna-se mais improvável que o Senado dos Estados Unidos possa aprovar, neste ano, projeto apresentado pelo presidente Barack Obama para cortar em 17%, até 2020, as emissões de gases do efeito estufa que o país produzia em 2005.
É difícil crer que parlamentares, em ano de eleição, sintam-se encorajados a votar uma lei contrária às crenças de metade da população.
Uma outra notícia relevante veio com o anúncio de que o Conselho Interacademias, congregação de sociedades científicas de 15 países, entre os quais o Brasil, liderará uma revisão externa dos procedimentos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima).
O painel instituído pelas Nações Unidas para analisar periodicamente a evolução do clima foi alvo de denúncias recentes relativas a erros localizados, mas significativos, em seus relatórios. Tratou-as de início com soberba, mas se rendeu a uma auditoria independente para salvar a própria reputação.
Como se vê, há razão de sobra para um pouco mais de ceticismo científico nos debates ambientais. Menos para Al Gore, o ex-vice-presidente democrata dos EUA, que perdeu a eleição de 2000 para George W. Bush e depois se lançou com zelo evangélico e senso midiático em campanha a favor do clima.
No auge, atraiu milhões de espectadores para o documentário "Uma Verdade Inconveniente", que lhe rendeu um Oscar e um Nobel da Paz, ambos em 2007.
Em seu novo livro, "Nossa Escolha", e em entrevista para a Folha, Gore diz que a humanidade já conta com tecnologia para solucionar, não uma, mas três ou quatro crises climáticas. Na sua avaliação, que parece irrealista, o projeto de Obama será aprovado em poucos meses.
O ex-vice presidente dos EUA parece não levar em conta a possibilidade de que a ascensão dos "céticos" e os arranhões na imagem do IPCC contribuam para erodir o apoio a metas ambiciosas de redução de emissões.
Como o enfrentamento do problema exige a atuação conjunta de dezenas de nações, as perspectivas para a próxima cúpula do clima, prevista para dezembro, no México, vão se tornando mais desanimadoras.
Mas a questão climática, para ser enfrentada de modo satisfatório, precisa menos de crenças otimistas ou pessimistas e mais de análises objetivas das transformações da atmosfera. É com apoio científico capaz de embasar decisões sensatas dos governos que se caminhará rumo à necessária reorientação da economia global.


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