São Paulo, terça-feira, 15 de março de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Rumos e desafios da revolução egípcia

NAGIB NASSAR


O país precisa reformar sua Constituição, de forma a refletir os interesses de todos os grupos e permitir evolução democrática mais sólida


Após 18 dias de protestos e gritos de vitória, o ditador Mubarak enfim caiu, mostrando que os egípcios ainda muito podem fazer.
O Egito sofreu durante muitos anos, mas não deixou de se levantar, como um gigante, com o coração, cérebro e nervo do mundo árabe, em exemplo aos seus irmãos.
Assim podemos entender a fala do poeta: uma cabeça levantada e uma mente sem medo! Há uma razão no que foi dito pelo presidente Obama: "O povo do Egito falou alto e sua voz foi bem ouvida. O Egito nunca mais será o mesmo!".
O sucesso da revolução foi a determinação e a firmeza do povo egípcio durante todos os 18 dias. A demonstração dos milhares que tomaram conta da praça Tahrir é testemunha. É um alerta aos militares: estamos atentos vigiando nossa conquista e nossa vitória; eles podem manter a ordem e disciplina, mas não governar por muito tempo.
A queda de Mubarak não é o fim! Termina uma era, mas ainda resta muita luta e muito a realizar para a revolução egípcia. É preciso reconstruir o cenário político, em que todas as forças da oposição afastadas pelo ditador podem contribuir, decidir e participar.
Há, ainda, a reforma da Constituição, para refletir os interesses de todos e para permitir uma evolução democrática mais sólida.
Os temores de revoluções islâmicas que aparecem são totalmente errôneos. A revolta em todos os lugares no mundo árabe é motivada por sentimentos nacionalistas, muito mais do que religiosos.
Os islâmicos da chamada Irmandade Muçulmana não fazem nada mais do que acompanhar os acontecimentos. Na última e única eleição livre nos últimos 30 anos, eles não conseguiram mais de um quinto do Parlamento egípcio.
Não há motivo para temer que a situação se incline na região em benefício do Irã. Há uma mensagem feita pela revolução egípcia dirigida ao Ocidente e aos Estados Unidos, em particular: "A estabilidade não pode ser prioridade da democracia e dos direitos humanos".
Será que eles ouviram essa mensagem? A outra lição é que a generosa ajuda em armas e cereais pouco muda a opinião pública em países onde eles os oferecem. Não é com dinheiro que se compra amor.
Assim, quando o povo se revolta, não adianta essa ajuda para salvar os aliados ditadores!
Diferentemente de 1952, a revolução egípcia de 2011 é feita pelo povo e voltada para o povo, e não por oficiais militares que tomaram o poder por meio de golpe que eles chamaram de revolução.
É verdade que derrubaram o corrupto rei Farouk e aboliram a monarquia -sucesso que inspirou muitos países árabes e africanos a remover os impérios britânico e francês. Apesar disso, quem observa de modo neutro percebe que o movimento de 1952 afastou o Egito da vida democrática e implantou a política monopartidária, dando início ao regime de Mubarak.
Há muitos desafios que aguardam o Egito em 2011. O povo mostrou ser capaz de vencer e de dar exemplo para o mundo árabe. O vento que partiu de Tahrir ainda sopra sobre os irmãos e vizinhos.

NAGIB NASSAR é professor emérito da Universidade de Brasília e pesquisador sênior do CNPq.

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