São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2008

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MARCOS NOBRE

Juros: teoria e prática

A REUNIÃO do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa hoje foi precedida por um debate que se limitou a intervenções especializadas. É como se fosse uma discussão estritamente econômica.
Em economia, a teoria dominante se auto-intitula "a melhor teoria". Ela permite ver o que ninguém mais vê e embasa a "atuação preventiva" da "autoridade monetária". Mas essa posição privilegiada é mantida também com muito poder político. O próprio Lula veio a público declarar que o eventual aumento da taxa não causaria transtorno.
O Copom conta também com o poder de importantes instituições internacionais. Os presidentes do FMI e do Banco Mundial se apressaram em dar declarações alarmistas sobre a inflação nos chamados países emergentes. E já deram a senha para justificar "aumentos inevitáveis" das taxas de juros: quem sofre com a inflação são os mais pobres.
O Banco Mundial sabe muito bem como fazer uma discussão política de temas econômicos intrincados. A foto de seu presidente, Robert Zoellick, segurando um saco de arroz em uma mão e um pão na outra não poderia mais ilustrativa.
Já no Brasil, a restrição do debate público a especialistas costuma ser saudado por muitos como sinal de maturidade do sistema político. No vocabulário da violência brasileira se diz que a economia estaria "blindada".
O estranho é que nada disso é estritamente falso. É o resultado de a estabilização brasileira alcançada com o Plano Real ter sido mesmo conservadora. O controle da inflação ao custo de uma explosão da dívida pública concedeu enorme poder de chantagem aos chamados "mercados", entidade abstrata que, muito concretamente, financia a dívida pública brasileira.
Os limites da política se tornaram bem mais estreitos desde 1994, com certeza. Mas, no caso da taxa de juros, esses limites não são hoje nem sequer debatidos, muito menos explorados. Blindar a economia significa aqui excluir a política e bloquear um debate público mais amplo.
E, no entanto, um programa como o Bolsa Família foi em grande medida conquistado contra a ortodoxia econômica, mesmo se esta depois adaptou a idéia à sua própria lógica. A longa discussão sobre esse tipo de programa foi tanto econômica como política.
O Bolsa Família não é certamente a solução para todos os males. Mas foi um passo importante, que só foi alcançado porque o debate se ampliou para fora dos estreitos limites de uma discussão técnica.
É essa discussão mais ampla que faz falta agora para mostrar que aumento de juros no atual momento é transtorno sim. E dos grandes.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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