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MARCOS NOBRE
Juros: teoria
e prática
A REUNIÃO do Comitê de Política Monetária (Copom)
que começa hoje foi precedida por um debate que se limitou a
intervenções especializadas. É como se fosse uma discussão estritamente econômica.
Em economia, a teoria dominante se auto-intitula "a melhor teoria". Ela permite ver o que ninguém mais vê e embasa a "atuação
preventiva" da "autoridade monetária". Mas essa posição privilegiada é mantida também com muito
poder político. O próprio Lula veio
a público declarar que o eventual
aumento da taxa não causaria
transtorno.
O Copom conta também com o
poder de importantes instituições
internacionais. Os presidentes do
FMI e do Banco Mundial se apressaram em dar declarações alarmistas sobre a inflação nos chamados
países emergentes. E já deram a senha para justificar "aumentos inevitáveis" das taxas de juros: quem
sofre com a inflação são os mais
pobres.
O Banco Mundial sabe muito
bem como fazer uma discussão política de temas econômicos intrincados. A foto de seu presidente, Robert Zoellick, segurando um saco
de arroz em uma mão e um pão na
outra não poderia mais ilustrativa.
Já no Brasil, a restrição do debate público a especialistas costuma
ser saudado por muitos como sinal
de maturidade do sistema político.
No vocabulário da violência brasileira se diz que a economia estaria
"blindada".
O estranho é que nada disso é estritamente falso. É o resultado de a
estabilização brasileira alcançada
com o Plano Real ter sido mesmo
conservadora. O controle da inflação ao custo de uma explosão da dívida pública concedeu enorme poder de chantagem aos chamados
"mercados", entidade abstrata que,
muito concretamente, financia a
dívida pública brasileira.
Os limites da política se tornaram bem mais estreitos desde
1994, com certeza. Mas, no caso da
taxa de juros, esses limites não são
hoje nem sequer debatidos, muito
menos explorados. Blindar a economia significa aqui excluir a política e bloquear um debate público
mais amplo.
E, no entanto, um programa como o Bolsa Família foi em grande
medida conquistado contra a ortodoxia econômica, mesmo se esta
depois adaptou a idéia à sua própria lógica. A longa discussão sobre
esse tipo de programa foi tanto
econômica como política.
O Bolsa Família não é certamente a solução para todos os males.
Mas foi um passo importante, que
só foi alcançado porque o debate se
ampliou para fora dos estreitos limites de uma discussão técnica.
É essa discussão mais ampla que
faz falta agora para mostrar que aumento de juros no atual momento
é transtorno sim. E dos grandes.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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