São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Punir não é pecado

MARCOS BELIZÁRIO


Acredito que é um erro de avaliação desprezar a força coercitiva de fiscalizações mais rigorosas e de multas aos que desrespeitam a legislação

Por conta de traumas do período de exceção da ditadura militar e também devido aos constantes episódios de mau uso do dinheiro público, a sociedade brasileira desenvolveu natural resistência a qualquer medida que remeta ao recrudescimento das punições e à aplicação de multas que possam engordar os cofres governamentais.
Contudo, acredito ser um erro de avaliação desprezar a força coercitiva e (por que não?) pedagógica de ações disciplinadoras por parte do Estado, como é o caso de fiscalizações mais rigorosas e de multas a pessoas físicas e jurídicas que teimem em desrespeitar a legislação.
Salvo recrimináveis exceções, leis não nascem da cabeça de um único indivíduo, que tem o prazer sádico de ver sua ideia sendo cumprida. As leis resumem uma espécie de acordo social coletivo, que busca a equiparação de direitos e que, em última instância, impede a prevalência do mais forte.
Quando foi instituída a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, no fim dos anos 90, não faltou quem enxergasse na medida uma inadmissível intervenção do Estado na vida privada. E, apesar de acompanhada por campanhas educativas, tal lei só "pegou" porque os motoristas perceberam que a fiscalização seria para valer e que as multas seriam pesadas.
Após duas décadas, ninguém mais questiona a pertinência e a eficácia dessa lei, responsável por salvar milhares de vidas. A garantia de direitos só recentemente adquiridos por alguns setores da sociedade vem enfrentando crescente dificuldade para se impor. Parte disso é por conta do baixo valor nominal das multas aplicáveis em cada tipo de infração.
Parar o carro indevidamente numa vaga de idoso custa apenas R$ 53. Deixar de ter um cardápio em braile num restaurante significa perder somente R$ 500. Não conservar em bom estado sua calçada acarreta uma despesa de R$ 102 por metro linear danificado.
Diante desses valores, muitas pessoas e empresas preferem pagar regularmente as multas, e não investir na adequação de seus espaços e práticas, deixando de cumprir sua responsabilidade social, termo tão caro aos empresários que se dizem modernos.
O respeito do mercado é bem maior quando se trata de obedecer a Lei de Cotas -válida apenas para empresas com mais de cem funcionários-, que implica multa diária que pode chegar a R$ 152 mil, multiplicada pelo número de vagas não preenchidas.
De ontem a 17 de abril, a cidade de São Paulo recebe a Reatech, o terceiro maior evento mundial de acessibilidade e inclusão. Nesse período, em que tradicionalmente o tema ganha mais espaço nos debates públicos, é importante discutir a necessidade de apertar a fiscalização e de aumentar o valor unitário de algumas multas, sobretudo em caso de reincidência.
Pode parecer solução simplista, mas aguardar que a sociedade mude seu comportamento exclusivamente graças a um processo de conscientização também parece ser comportamento ingênuo.
Há coisas que legisladores e membros do Poder Executivo precisam fazer, por mais antipáticas que pareçam. E esta é uma delas. Afinal, o oposto da lei é a barbárie.

MARCOS BELIZÁRIO, advogado, é secretário da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da cidade de São Paulo.

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