São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2001

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MARTA SALOMON

Santo bom

Faz dias, alguns frequentadores do Palácio do Planalto começaram a notar a presença assídua de uma daquelas mariposas grandes, que uns chamam de bruxas e vêem como sinal de mau agouro.
Coincidência ou não, o fato é que, vira e mexe, a mariposa aparece na garagem reservada às autoridades da República como que para lembrar-lhes logo na entrada: ""Hoje é dia de crise".
A rotina presidencial até agora poupou Fernando Henrique Cardoso de encarar o bicho, mais ou menos como seus assessores o teriam poupado de conhecer os riscos da falta de energia a tempo de evitar uma catástrofe.
Mas há quem já tenha visto FHC temendo o pior dos castigos lá no gabinete do terceiro andar: terminar seus dias de governo como o ex-presidente José Sarney, enfraquecido e sem controle da própria sucessão. Para a vaidade de um governante, isso soa como maldade encomendada nos terreiros da Bahia, o fim do mundo.
A menos que o eleitor de 2002 ache graça em poder sentir na pele o inferno dos apagões da Califórnia sem precisar viajar ou se orgulhe em pagar pela energia mais do que os parisienses na ""cidade-luz".
Os mais supersticiosos acham que a bruxa anda mesmo solta em Brasília, impiedosa. Depois de Antonio Carlos Magalhães escorregar na própria língua e correr o risco de perder o mandato por abuso de poder, quem ainda imaginaria FHC levado ao pior inferno astral do mandato justamente pelo que considerava o maior trunfo de seu governo -o ajuste das contas públicas?
O ajuste fiscal nunca foi desses mocinhos perfeitos. Já dera de vilão antes, quando cortou cestas de alimentos dos pobres, adiou o pagamento da bolsa-escola e até desviou dinheiro destinado à abertura de vagas em presídios em plena crise da segurança pública, para citar algumas das ""prioridades" do governo deixadas em segundo plano.
Mas coube à crise energética apontar que parte do ajuste aplaudido pela comunidade financeira internacional se dava como a popular ""economia na base da porcaria".
Como se sabe, a falta de investimentos na geração de energia comprometerá o crescimento da economia, as metas de inflação, o equilíbrio das contas públicas. Um estrago violento na estabilidade que não pode ser atribuído a mazelas externas.
O apagão já é fato consumado, mas falta ainda decidir quem, como e por que vai pagar a conta. O debate é pouco transparente.
Tudo indica que o prejuízo ficará com a grande maioria dos pequenos consumidores, já obrigados a pagar uma das tarifas mais caras do mundo. Não se fala, no governo, em acordos para reduzir a produção nem em abrir mão das metas do ajuste fiscal.
É bom, desde já, não contar com muito milagre de são Pedro nessa matéria depois de tanta injúria lançada contra o santo.
Aliás, para não ser mais injusto com o santo, e ainda que fique difícil reconhecer um lado bom do apagão, deve-se à falta de chuva suficiente para encher os reservatórios a perspectiva de um debate mais animado da sucessão presidencial de 2002. Os candidatos terão de apresentar mais do que credenciais de xerife para combater a corrupção, espera-se.
A propósito de são Pedro e da boa governança, um dos sermões do padre Antonio Vieira já pregava, lá no século 17, que uma coisa é acerto, outra são aplausos. O texto também condena os ignorantes ""altivos" no comando e diz: ""Deus guie a nau onde estes forem os pilotos".


Marta Salomon é secretária de Redação da Sucursal de Brasília. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.


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