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MARTA SALOMON
Santo bom
Faz dias, alguns frequentadores do
Palácio do Planalto começaram a
notar a presença assídua de uma daquelas mariposas grandes, que uns
chamam de bruxas e vêem como sinal
de mau agouro.
Coincidência ou não, o fato é que, vira e mexe, a mariposa aparece na garagem reservada às autoridades da República como que para lembrar-lhes
logo na entrada: ""Hoje é dia de crise".
A rotina presidencial até agora poupou Fernando Henrique Cardoso de
encarar o bicho, mais ou menos como
seus assessores o teriam poupado de
conhecer os riscos da falta de energia a
tempo de evitar uma catástrofe.
Mas há quem já tenha visto FHC temendo o pior dos castigos lá no gabinete do terceiro andar: terminar seus
dias de governo como o ex-presidente
José Sarney, enfraquecido e sem controle da própria sucessão. Para a vaidade de um governante, isso soa como
maldade encomendada nos terreiros
da Bahia, o fim do mundo.
A menos que o eleitor de 2002 ache
graça em poder sentir na pele o inferno dos apagões da Califórnia sem precisar viajar ou se orgulhe em pagar pela energia mais do que os parisienses
na ""cidade-luz".
Os mais supersticiosos acham que a
bruxa anda mesmo solta em Brasília,
impiedosa. Depois de Antonio Carlos
Magalhães escorregar na própria língua e correr o risco de perder o mandato por abuso de poder, quem ainda
imaginaria FHC levado ao pior inferno astral do mandato justamente pelo
que considerava o maior trunfo de seu
governo -o ajuste das contas públicas?
O ajuste fiscal nunca foi desses mocinhos perfeitos. Já dera de vilão antes,
quando cortou cestas de alimentos
dos pobres, adiou o pagamento da
bolsa-escola e até desviou dinheiro
destinado à abertura de vagas em presídios em plena crise da segurança pública, para citar algumas das ""prioridades" do governo deixadas em segundo plano.
Mas coube à crise energética apontar que parte do ajuste aplaudido pela
comunidade financeira internacional
se dava como a popular ""economia na
base da porcaria".
Como se sabe, a falta de investimentos na geração de energia comprometerá o crescimento da economia, as
metas de inflação, o equilíbrio das
contas públicas. Um estrago violento
na estabilidade que não pode ser atribuído a mazelas externas.
O apagão já é fato consumado, mas
falta ainda decidir quem, como e por
que vai pagar a conta. O debate é pouco transparente.
Tudo indica que o prejuízo ficará
com a grande maioria dos pequenos
consumidores, já obrigados a pagar
uma das tarifas mais caras do mundo.
Não se fala, no governo, em acordos
para reduzir a produção nem em abrir
mão das metas do ajuste fiscal.
É bom, desde já, não contar com
muito milagre de são Pedro nessa matéria depois de tanta injúria lançada
contra o santo.
Aliás, para não ser mais injusto com
o santo, e ainda que fique difícil reconhecer um lado bom do apagão, deve-se à falta de chuva suficiente para encher os reservatórios a perspectiva de
um debate mais animado da sucessão
presidencial de 2002. Os candidatos
terão de apresentar mais do que credenciais de xerife para combater a
corrupção, espera-se.
A propósito de são Pedro e da boa
governança, um dos sermões do padre Antonio Vieira já pregava, lá no
século 17, que uma coisa é acerto, outra são aplausos. O texto também condena os ignorantes ""altivos" no comando e diz: ""Deus guie a nau onde
estes forem os pilotos".
Marta Salomon é secretária de Redação da Sucursal de Brasília. Hoje, excepcionalmente, não é
publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger,
que escreve às terças-feiras nesta coluna.
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