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ANTONIO DELFIM NETTO
A distorção
não percebida
Em condições institucionalmente adequadas (propriedade privada bem definida, rigorosa observância
dos contratos, liberdade de escolha,
agentes atomizados etc.), o mais eficiente sistema de organização produtiva descoberto pelo homem é o "mercado". Nele, oferta e procura de bens e
serviços encontram-se livremente e
dão origem às relações de troca (os
preços relativos) entre si. É possível
demonstrar, por exemplo (com algumas hipóteses heróicas e uma razoável
dose de matemática), que tais preços
determinam um nível de produção e
de consumo "ótimos", isto é, a partir
do qual ninguém pode ver melhorada
sua situação sem prejudicar a situação
de outro (é o que se chama de ótimo
paretiano).
A relevância prática da demonstração é discutível, mas ela sugere a intuição de que, quanto mais competitivo
for o "mercado", mais ele se aproximará do modelo. É isso, por exemplo,
que leva os economistas (quando se
restringe o objetivo da sociedade à eficiência produtiva) a preferirem um
mercado de trabalho menos regulado.
É o mesmo raciocínio que leva os economistas à condenação de qualquer
interferência nos preços relativos
-como é o caso, por exemplo, do sistema tributário baseado em impostos
em cascata, como a CPMF, o PIS e o
Cofins. O mesmo acontece com os
subsídios à produção, à exportação ou
ao consumo, que, de uma forma ou de
outra, se fazem alterando os preços relativos e, portanto, desviando a economia do seu "ótimo". A intuição sugere
também que o "mercado" tenha a ver
com a eficiência. Ele pouco se importa
com a distribuição de renda, que é claramente um problema político, como
já sabia Stuart Mill antes de Marx!
Um ponto interessante em relação à
vigilância de alguns economistas
quanto aos inconvenientes que acompanham as distorções introduzidas
nos preços relativos é que eles não tiveram a percepção da gravíssima distorção introduzida pela valorização da
taxa de câmbio real. Era divertido ver
algumas autoridades (e os comentaristas econômicos por elas inspirados)
criticarem duramente qualquer tentativa de alteração tarifária (porque modificariam os "preços relativos de
equilíbrio") e, ao mesmo tempo, defenderem o câmbio valorizado. Como
vimos há poucos dias, alguns até hoje
não entenderam a contradição. Não
perceberam que a valorização era,
apenas, uma tarifa assimétrica e, portanto, alterava os "preços relativos"
dos bens: estimulava o consumo dos
importados e desestimulava a produção dos exportáveis. As tarifas em geral desestimulam a ambas, porque um
imposto sobre a importação é um imposto sobre a exportação. Essa distorção obrigava, além disso, a outra no
mercado financeiro: era preciso remunerar mais fortemente o investidor
estrangeiro do que o nacional, sem o
que o financiamento do déficit em
conta corrente seria impossível.
É necessário, portanto, olhar com
muito cuidado e comprar por quanto
valem, de fato, os argumentos estéticos que condenam qualquer intervenção na economia com base num modelo que às vezes nem os seus adoradores entendem direito.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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