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SÉRGIO MALBERGIER
Resistir à religião
DE OLHO mais na doutrina
católica do que na vida de
seus fiéis, o papa Bento 16
tomou pouco conhecimento das
sensibilidades locais em sua primeira visita ao Brasil.
Ratzinger e seu segundo escalão
bateram duro na relativa liberalidade moral do país -virtude que
nos torna tolerantes com diferentes crenças e comportamentos. E
pouco disse sobre a devassidão moral de grupos que impõem a corrupção quase completa aos poderes públicos nacionais -alguns de
seus representantes, inclusive, estavam na primeira fila de convidados.
O papa veio doutrinar o rebanho
e pedir regalias para a igreja. Fez
bem o presidente Lula, num de
seus intervalos de extrema lucidez,
ao se opor publicamente e com algum vigor à investida papal.
Pouco se discute no místico Brasil sobre as relações entre igreja e
Estado, religião e liberdades civis.
Talvez porque se discuta pouco no
Brasil temas que fujam dos jogos
da rodada e dos telenovelixos globais.
É uma discussão muito presente
nos EUA -onde a força da fé tornou-se força política- e nas áreas
de alguma predominância islâmica
-onde o extremismo muçulmano
quer retroagir o Estado moderno a
um mero serviçal de Deus.
Esse retorno da fé religiosa à esfera política, como mostram os
exemplos acima, assusta e deve ser
combatido.
As religiões devem ser exercidas
com total liberdade. Mas sempre
respeitando o direito de delas discordarmos. No Brasil, de instituições ainda em consolidação, a luta
pela liberdade em relação ao credo
religioso alheio deve ser apoiada.
Um de seus maiores combates é
o aborto, e a coragem do ministro
da Saúde, José Gomes Temporão, é
admirável. Outro, menos evidente,
está sendo travado no Supremo
Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança de 2005, que autoriza a pesquisa
com células-tronco extraídas de
embriões produzidos "in vitro".
O subprocurador-geral da República Cláudio Fonteles, autor da
ação de inconstitucionalidade, disse da geneticista Mayana Zatz, uma
das cientistas mais respeitadas do
país e defensora da legislação no
STF: "A doutora Mayana Zatz, que
é o principal elemento de quem
pensa diferentemente da gente,
tem também uma ótica religiosa,
na medida em que ela é judia e não
nega o fato".
Zatz foi precisa na resposta: "Estou triste, porque isso contraria a
tradição de tolerância e de respeito
à diversidade religiosa que caracterizam este país. Posso garantir que
minha defesa da pesquisa com células-tronco embrionárias está
longe de ser motivada por razões
religiosas. É por meus pacientes,
para minorar o sofrimento".
É essa tolerância que precisa ser
defendida, com máximo vigor.
SÉRGIO MALBERGIER é editor de Dinheiro .
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