São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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Subsídio soberano

O MINISTRO Guido Mantega inspirou-se no chefe e arriscou uma parábola para explicar o fundo soberano que pretende criar. "É como um cofrinho. Você tem o seu salário e faz as suas despesas. No fim do mês, o que sobrar vai ser colocado em um cofrinho". Mas não será um porquinho de cerâmica qualquer; terá a missão, a crer no titular da Fazenda, de "mobilizar os interesses do país".
O cofrinho mobilizador possui, contudo, peculiaridades que escaparam ao didatismo do ministro. Não há sobra de recursos no orçamento público. O governo toma da sociedade uma enormidade em impostos, reserva um pouco -o superávit primário- para pagar juros de sua dívida. Mesmo assim não consegue arcar com todas as despesas da máquina pública. E faz mais dívida.
Como o governo não tem dinheiro sobrando, cada moeda depositada no cofrinho terá de ser tomada emprestada no mercado, a juros mínimos de 11,75% ao ano -e subindo. As empresas que o governo associar aos "interesses do país" poderão beneficiar-se dos empréstimos do novo fundo no exterior.
Se as operações tiverem sucesso estrondoso, as aplicações do cofrinho da Fazenda serão remuneradas a uma taxa de, no máximo, 6% ao ano. A diferença entre as duas taxas será bancada pelo Tesouro. Em suma, os contribuintes brasileiros arcarão com o subsídio soberano direcionado, não se sabe com que critérios, a um punhado de empresas.
Em vez de dar-se a invencionices, o governo deveria elevar a meta do superávit primário. Reduzir gastos de custeio e aproveitar o excesso de arrecadação para abater mais dívida pública interna traria diversas vantagens: diminuiria o custo financeiro do governo e inibiria o ímpeto da demanda doméstica, combatendo desequilíbrios na inflação, nas contas externas e no câmbio.
A proposta de aumentar o superávit primário, de 3,8% do PIB para até 5,5% do PIB, foi levada ao presidente Lula pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Bombardeada internamente por assessores que não enxergam um palmo à frente do nariz, feneceu. Mas o cofrinho da Fazenda resistiu, e a sociedade foi convocada a financiar a aventura.


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