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Poupança confusa
Com improviso e subsídio aos mais ricos, governo Lula tenta adiar tarefa, necessária, de reduzir
a renda da caderneta
SE DEPENDER do governo
Lula, a caderneta de poupança deixará de ser a
aplicação mais simples do
Brasil em 1º de janeiro de 2010.
Nessa data, um emaranhado de
regulamentações tributárias está programado para despejar-se
sobre a tradicional aplicação.
A "solução" do Planalto atinge
seu objetivo político. Evita mudanças no rendimento de 99%
dos titulares da caderneta, com
saldo inferior a R$ 50 mil. Acossado por críticas irresponsáveis
da oposição -que disseminou
temores acerca de uma repetição
do confisco de 1990- e inseguro
quanto à sua competência para
enfrentar uma batalha de comunicação, o governo Lula desistiu
de alterações ambiciosas.
Em vez de propor mudanças
simples e eficazes, tomou o caminho oposto: complicou as regras da poupança para produzir
um resultado, na mais otimista
das hipóteses, modesto.
As medidas anunciadas não
bastam para atacar o efeito colateral mais imediato da contínua
redução da taxa básica de juros,
agora em 10,25% ao ano. Com a
queda no rendimento, teme-se a
fuga de aplicações alocadas na
dívida pública rumo à caderneta,
cuja remuneração -em torno de
7% ao ano e isenta de impostos-
não pode acompanhar aquela redução, pois está fixada em lei.
Taxar as grandes aplicações na
caderneta só a partir de 2010,
com base em medida provisória
sujeita a turbulência no Congresso, é um meio incerto de inibir esse movimento de aplicadores. Resta ao governo aliviar a tributação dos grandes investidores, reduzindo o Imposto de
Renda sobre fundos de investimento, CDBs etc.
Assim, no intuito de evitar prejuízos ao pequeno poupador, Lula dispõe-se a oferecer um subsídio fiscal diretamente aos mais
ricos. A oposição, que tanto alarido fez sobre confisco, não parece
preocupada com essa notória incongruência do Planalto.
Incongruente também é passar ao largo de uma mudança capaz de reduzir os juros do empréstimo imobiliário, quando a
habitação é a maior peça de propaganda do governo. De cada R$
100 aplicados na caderneta, R$
65 têm de ser destinados pelos
bancos à compra da casa própria.
Sem diminuir os juros da poupança, é impossível baixar o custo desses empréstimos e retirar o
crédito imobiliário do nível irrisório em que se encontra no país.
O juro básico elevado constitui
uma das últimas anomalias macroeconômicas do país, herança,
de certo modo, de um ambiente
de inflação alta e economia fechada. À medida que a distorção
saia de cena -o que cedo ou tarde ocorrerá-, outros anacronismos, mais específicos, se farão
sentir e terão de ser enfrentados.
A forma de remuneração da caderneta de poupança é um desses anacronismos. Não é preciso
extinguir a fixação em lei de seu
rendimento e expor milhões de
brasileiros a um choque desnecessário. No entanto, reduzir aos
poucos o seu rendimento, para
que se harmonize com as novas e
melhores condições financeiras
do país, é uma necessidade.
Com manobras improvisadas,
Lula tenta apenas empurrar para
o próximo governo a tarefa de
enfrentar essa agenda crucial.
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