São Paulo, sexta-feira, 15 de maio de 2009

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Poupança confusa

Com improviso e subsídio aos mais ricos, governo Lula tenta adiar tarefa, necessária, de reduzir a renda da caderneta

SE DEPENDER do governo Lula, a caderneta de poupança deixará de ser a aplicação mais simples do Brasil em 1º de janeiro de 2010. Nessa data, um emaranhado de regulamentações tributárias está programado para despejar-se sobre a tradicional aplicação.
A "solução" do Planalto atinge seu objetivo político. Evita mudanças no rendimento de 99% dos titulares da caderneta, com saldo inferior a R$ 50 mil. Acossado por críticas irresponsáveis da oposição -que disseminou temores acerca de uma repetição do confisco de 1990- e inseguro quanto à sua competência para enfrentar uma batalha de comunicação, o governo Lula desistiu de alterações ambiciosas.
Em vez de propor mudanças simples e eficazes, tomou o caminho oposto: complicou as regras da poupança para produzir um resultado, na mais otimista das hipóteses, modesto.
As medidas anunciadas não bastam para atacar o efeito colateral mais imediato da contínua redução da taxa básica de juros, agora em 10,25% ao ano. Com a queda no rendimento, teme-se a fuga de aplicações alocadas na dívida pública rumo à caderneta, cuja remuneração -em torno de 7% ao ano e isenta de impostos- não pode acompanhar aquela redução, pois está fixada em lei.
Taxar as grandes aplicações na caderneta só a partir de 2010, com base em medida provisória sujeita a turbulência no Congresso, é um meio incerto de inibir esse movimento de aplicadores. Resta ao governo aliviar a tributação dos grandes investidores, reduzindo o Imposto de Renda sobre fundos de investimento, CDBs etc.
Assim, no intuito de evitar prejuízos ao pequeno poupador, Lula dispõe-se a oferecer um subsídio fiscal diretamente aos mais ricos. A oposição, que tanto alarido fez sobre confisco, não parece preocupada com essa notória incongruência do Planalto.
Incongruente também é passar ao largo de uma mudança capaz de reduzir os juros do empréstimo imobiliário, quando a habitação é a maior peça de propaganda do governo. De cada R$ 100 aplicados na caderneta, R$ 65 têm de ser destinados pelos bancos à compra da casa própria. Sem diminuir os juros da poupança, é impossível baixar o custo desses empréstimos e retirar o crédito imobiliário do nível irrisório em que se encontra no país.
O juro básico elevado constitui uma das últimas anomalias macroeconômicas do país, herança, de certo modo, de um ambiente de inflação alta e economia fechada. À medida que a distorção saia de cena -o que cedo ou tarde ocorrerá-, outros anacronismos, mais específicos, se farão sentir e terão de ser enfrentados.
A forma de remuneração da caderneta de poupança é um desses anacronismos. Não é preciso extinguir a fixação em lei de seu rendimento e expor milhões de brasileiros a um choque desnecessário. No entanto, reduzir aos poucos o seu rendimento, para que se harmonize com as novas e melhores condições financeiras do país, é uma necessidade.
Com manobras improvisadas, Lula tenta apenas empurrar para o próximo governo a tarefa de enfrentar essa agenda crucial.



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