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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Minhocão deve ser demolido?
SIM
Elevado é câncer urbano a ser extirpado
LÚCIO GOMES MACHADO
O MINHOCÃO deve ser demolido, fundamentalmente, porque nunca deveria ter
sido construído.
De fato, São Paulo aderiu a uma voga de soluções de vias expressas em
área urbanas quando já era internacionalmente objeto de críticas.
E, pior, as cidades que as haviam
adotado contavam com um padrão de
urbanização pautado em vias largas,
ao passo que São Paulo é herdeira da
tradição lusitana, de vias estreitas.
Eram modelos incompatíveis, e isso tornou-se evidente com a desastrosa interferência do elevado nos espaços em seu entorno. De nada adianta a proposta de maquiagens diversas
-pinturas ou jardins. Trata-se de um
câncer urbano a ser extirpado.
A solução adotada pela administração Maluf nada mais era do que a continuidade de série de equivocadas intervenções na nossa cidade, adotadas
ao longo de todo o século 20.
São Paulo é tratada como um perpétuo acampamento provisório, para
o qual são sistematicamente improvisadas soluções. Não se pensa nas consequências nem na sua escala, sem
par no mundo: há 50 anos, a cidade tinha cerca de um décimo da população
atual e nem se cogitava a formação de
uma região metropolitana que hoje
dobra seu tamanho disforme.
Exemplos dessa falta de perspectiva não faltam: a retificação dos rios
Tietê e Pinheiros, sem reservar para a
cidade as antigas áreas de várzea, a
implantação das avenidas marginais
aos rios ou das vias em fundos de vales com canalização dos córregos,
desprezando seu potencial paisagístico e de suporte para outras atividades, além de cloacas regionais.
Há também o tamponamento do
rio Tamanduateí, ou o irresponsável
desmantelamento da rede de bondes,
da qual algumas linhas seriam o que
hoje se denomina pomposamente
"sistema de veículo leve sobre trilhos", para dar lugar ao imprestável
sistema de transporte por ônibus que
hoje nos assola.
É bom lembrar também do "Fura-Fila" iniciado na gestão Pitta, hoje
mascarado de expresso "não sei o
que", caríssima relação de investimento por passageiro transportado,
também correndo sobre um elevado,
ainda mais prejudicial que seu irmão
mais velho, mas que, por estar afastado da região mais rica da cidade, não é
lembrado como outra horrível chaga.
A gestão Marta não teve coragem
de interromper a obra, embora já fosse evidente o absurdo de sua proposta, além de concorrer com linha de metrô projetada na sua proximidade.
Não havia solução técnica (como
ainda não há) para os veículos então
previstos, tendo sido investido várias
vezes o orçamento inicial, proporcionando a degradação, como era fácil
prever, das áreas por onde passa.
Aproveitando a proposta agora lançada pela prefeitura, por que não promover sua demolição, já!
Será mais barato do que fazê-lo daqui a alguns anos. As vigas pré-moldadas dos dois minhocões podem ser
reutilizadas em pontes e pontilhões,
uso mais benéfico para a sociedade.
O Minhocão é, portanto, eminente
símbolo das soluções imediatistas,
adotadas emergencialmente em razão da falta de um efetivo sistema de
planejamento, democraticamente
conduzido. Mas, para isso, é preciso
que a Câmara dos Vereadores assuma
seu papel. Alguém se lembra de quando foi feita, em plenário, a última discussão sobre o futuro de São Paulo?
A proposta de demolição do Minhocão, anunciada pela prefeitura, é
também iniciativa improvisada, não
planejada. Não basta anunciar que será urbanizada a área ocupada por linhas de trem, a serem colocadas em túneis e para a qual seriam desviados
veículos que circulam de leste a oeste.
É necessário prosseguir com os estudos previstos no Plano Diretor em
vigor, com o necessário aprofundamento das propostas nele contidas e
que devem abranger, além dos aspectos meramente econômicos, a estrutura espacial que deseja, a paisagem
urbana que a população merece e a
contribuição dessas intervenções para o desenvolvimento não só do centro mas de toda a cidade.
Da maneira proposta, essa intervenção nada mais será do que a abertura de frente para o investimento
imobiliário, cujas lideranças não têm
demonstrado capacidade de pensar
em escala maior do que a de alguns
quarteirões. O Executivo e o Legislativo devem assumir seus papéis na direção do desenvolvimento da cidade.
LÚCIO GOMES MACHADO ,64, arquiteto, é professor da
FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
USP) e diretor da GMAA (Gomes Machado Arquitetos Associados).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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