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CARLOS HEITOR CONY
Na ponte de comando
RIO DE JANEIRO - Serei a última pessoa do mundo a acreditar que Lula
pode ter se envolvido, de alguma forma, com os recentes escândalos que
abalam a política nacional. Contudo
sua responsabilidade é óbvia, uma
vez que o mar de lama é evidente e se
formou à sombra de sua inconteste liderança.
Guardadas as proporções, ele está
atravessando o mesmo mar de lama
que tragou Getúlio Vargas, o maior
estadista de nossa história. As circunstâncias não são as mesmas, mas,
assim como nenhum historiador acusará Vargas de improbidade, Lula
poderá passar à posteridade como
governante medíocre, mas probo.
Acredito que seja fácil conciliar a
honradez pessoal de Lula com os desmandos que estão enlameando sua
gestão. Até chegar à Presidência, Lula administrava o seu próprio partido, seus companheiros de luta, que
formavam, grosso modo, um universo homogêneo em seus objetivos e
práticas. Pairava acima das conflitantes alas que formavam o PT, e sua
autoridade era decorrência natural
de sua capacidade conciliatória.
Uma vez no poder, foi obrigado a
conviver com a massa heterogênea
que lhe deu elegibilidade, mas se recusa a lhe dar a governabilidade necessária. Ao longo desses dois anos e
meio de governo, foi obrigado, pelas
circunstâncias de seu cargo, a engolir
sapos de vários tamanhos e feitios, a
apertar mãos que não conhecia e, no
limite, a dar cheques em branco a
pessoas que não honrariam a sua
confiança.
Profissional de extrema habilidade
para pilotar uma barca da Cantareira, fatalmente ele ia se embananar
na ponte de comando de um Queen
Mary 2. A desproporção de responsabilidades não se deve apenas ao complexo de forças que o apoiaram na última eleição e nessa primeira metade
de mandato. O próprio PT, em si
mesmo, tem conflitos muitas vezes
dramáticos, mas em escala reduzida
e administrável.
O furo agora é bem mais em cima,
na ponte de comando. Ou salvará o
gigante que lhe foi confiado ou naufragará com ele.
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