São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

Na ponte de comando

RIO DE JANEIRO - Serei a última pessoa do mundo a acreditar que Lula pode ter se envolvido, de alguma forma, com os recentes escândalos que abalam a política nacional. Contudo sua responsabilidade é óbvia, uma vez que o mar de lama é evidente e se formou à sombra de sua inconteste liderança.
Guardadas as proporções, ele está atravessando o mesmo mar de lama que tragou Getúlio Vargas, o maior estadista de nossa história. As circunstâncias não são as mesmas, mas, assim como nenhum historiador acusará Vargas de improbidade, Lula poderá passar à posteridade como governante medíocre, mas probo.
Acredito que seja fácil conciliar a honradez pessoal de Lula com os desmandos que estão enlameando sua gestão. Até chegar à Presidência, Lula administrava o seu próprio partido, seus companheiros de luta, que formavam, grosso modo, um universo homogêneo em seus objetivos e práticas. Pairava acima das conflitantes alas que formavam o PT, e sua autoridade era decorrência natural de sua capacidade conciliatória.
Uma vez no poder, foi obrigado a conviver com a massa heterogênea que lhe deu elegibilidade, mas se recusa a lhe dar a governabilidade necessária. Ao longo desses dois anos e meio de governo, foi obrigado, pelas circunstâncias de seu cargo, a engolir sapos de vários tamanhos e feitios, a apertar mãos que não conhecia e, no limite, a dar cheques em branco a pessoas que não honrariam a sua confiança.
Profissional de extrema habilidade para pilotar uma barca da Cantareira, fatalmente ele ia se embananar na ponte de comando de um Queen Mary 2. A desproporção de responsabilidades não se deve apenas ao complexo de forças que o apoiaram na última eleição e nessa primeira metade de mandato. O próprio PT, em si mesmo, tem conflitos muitas vezes dramáticos, mas em escala reduzida e administrável.
O furo agora é bem mais em cima, na ponte de comando. Ou salvará o gigante que lhe foi confiado ou naufragará com ele.


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