São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 2006

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DEMÉTRIO MAGNOLI

Ronaldinho na passarela alemã

HÁ EXATAS quatro décadas, na Copa da Inglaterra, o Brasil apresentou-se como favorito absoluto e amargou uma eliminação precoce. A derrota decisiva entrou para os anais como o dia em que Pelé mancou durante 45 minutos trágicos depois da bárbara caçada feita pelo zagueiro português Vicente na etapa inicial. Naquela época, em que substituições não eram permitidas, o negócio do futebol ainda engatinhava. Hoje, ao lado do audiovisual e do turismo, o futebol está no centro da indústria do entretenimento, que é um dos motores da economia mundial. A Europa, com seus clubes bilionários, domina o único campo empresarial significativo no qual os EUA são periféricos. Fracassou a tentativa de incorporar o mercado americano ao negócio do futebol, via Copa de 94. Nos EUA, a Copa da Alemanha é um atrativo secundário, e os torneios de "soccer" não se interrompem durante a feira global da bola. Depois de 94, analistas profetizaram o declínio da Copa do Mundo e a sua eventual substituição por um campeonato mundial de clubes. O raciocínio sustentava-se na noção de que aos clubes-empresas interessa a difusão das suas marcas corporativas, não a dos símbolos nacionais identificados às seleções. A profecia naufragou. A Copa da Alemanha é o maior fenômeno audiovisual da história. O G14, cartel dos grandes clubes europeus, acaba de pronunciar-se por um novo modelo no qual a Copa se tornaria bienal. Como entender o aparente paradoxo? A fidelidade emotiva aos clubes é um fenômeno histórico e cultural de escala local. Milan, Barcelona, Liverpool, Bayern, Lyon, Real Madrid são vetores de comunidade imaginárias circunscritas a uma cidade e seu entorno. Eles não podem se transformar, por si mesmos, em marcas globais. Para empreender o salto mágico, precisam associar a sua camisa a "marcas emprestadas", que são os jogadores-ídolos. Essas celebridades funcionam como mediação indispensável entre os clubes e a "torcida mundial". A Copa do Mundo é crucial para o negócio do futebol. O sistema da Copa não só desbrava mercados consumidores (Japão, Coréia do Sul) mas, sobretudo, promove a reciclagem de jogadores-ídolos na arena global. Mobilizando as emoções nacionais e as fidelidades patrióticas, que são elementos estranhos à lógica do mercado, as "guerras pacíficas" organizadas pela Fifa fornecem aos clubes-empresas as "marcas emprestadas" que os catapultam da esfera cultural local à esfera econômica mundial. O Brasil pode perder a Copa. Mas Ronaldinho não corre o risco de repetir, na passarela alemã, a triste saga inglesa de Pelé. Agora, o nome do jogo é dinheiro.

magnoli@ajato.com.br


DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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